Física e matemática têm ensino descolado da realidade

Especialistas analisam a correlação entre o que se aprende na escola e a realidade e necessidades da vida cotidiana.
 
Professores das áreas de física e de matemática propõem mudanças nos currículos do ensino básico para que essas disciplinas se aproximem da realidade do aluno. Para Celso Pinto de Melo, presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e professor da Universidade Federal de Pernambuco, quanto maior flexibilidade curricular melhor. "Nenhum cidadão deve ser furtado da experiência do conhecimento. O papel da escola é oferecer o básico para permitir o desenvolvimento de um espírito crítico, que as pessoas saibam refletir sobre as questões e tirar suas conclusões", opinou.

O professor Celso vê o currículo atual muito descolado da realidade. "O ensino das disciplinas exatas, a Física em particular, deveria ser repensado para dar aos alunos uma visão mais moderna do mundo", diz. Ainda de acordo com ele, o que se tem hoje nas salas de aula é uma cultura muito livresca, que valoriza as fórmulas e a memorização.

O presidente da SBF vê o físico como um profissional que deve ser capaz de enfrentar desafios e solucionar problemas. "A escola hoje não ensina a pensar. Se o cidadão moderno tiver o poder de abstração e a informação relevante, ele será capaz de interpretar e tomar decisões. É importante que os alunos (de física) sejam treinados a resolver problemas e a buscar soluções. Isso porque a Física é uma ciência experimental, eles têm que colocar a mão na massa", alerta.

Mas segundo ele, a maioria das escolas não está equipada devidamente e falta aos professores treinamento e condições de trabalho que permitam investir em experimentações. "Há no currículo atual um excesso de carga horária, com isso não há tempo para reflexão e experiências em laboratórios", resume o acadêmico.

Capacitação - A SBF vai promover um curso de mestrado profissional para capacitação e treinamento de professores. "Nossa ideia é preparar melhor os professores que atuam na base do ensino da Física. Esse curso é específico para esse profissional, por isso será necessário comprovar a atuação no ensino médio", explica Celso Pinto de Melo.

O professor Celso tem atualmente uma preocupação com o destino do ensino da Física. Após a divulgação dos resultados insuficientes das escolas de ensino médio na última edição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o MEC planeja uma modernização do currículo, propondo a integração das diversas disciplinas em grandes áreas.

A inspiração deverá vir do próprio Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que organiza as matrizes curriculares em quatro grandes grupos: linguagens, matemática, ciências humanas e da natureza. Essa é a divisão que segue a prova, ao contrário do modelo tradicional por disciplinas como química, português, matemática e biologia.

Nesse caso, a física, química e biologia seriam agrupadas em ciências da natureza. A SBF questiona a medida e quer abrir um debate sobre o assunto. "Gostaríamos de entender a proposta, se há exemplos bem sucedidos. Nós desconhecemos qualquer país que tenha adotado esse tipo de reforma", pondera.

Nelio Bizzo não acredita que seja possível formar um professor em ciências naturais e suas tecnologias. "Sou veementemente contra agrupar disciplinas de quaisquer formas, sob o pretexto de que faltam professores. Seria o equivalente de decidir que os hospitais públicos não mais tratarão fraturas, por falta de ortopedistas. O discurso interdisciplinar não dispensa as disciplinas, muito ao contrário!", argumenta.

Matemática: longe de um ensino eficiente

Formada em Matemática, com doutorado em Geometria Diferencial, pela Universidade de Campina (UNICAMP), a professora Yuriko Baldin, membro da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), considera insatisfatória a formação de egressos de cursos de licenciatura diante das demandas da escola na sociedade contemporânea "Aliada à falta de suporte aos professores em exercício para que se atualizem de fato na educação continuada que atenda a tais demandas, isso nos indica que ainda estamos longe de termos ensino de matemática eficiente, em escala necessária para atingir o sistema educacional como um todo", analisa.

Ainda de acordo com ela, quando, na prática, o ensino não conecta devidamente os diferentes níveis de escolaridade e os crescentes níveis de complexidade do conteúdo curricular, a pergunta é se a aprendizagem está ocorrendo. "A correlação do que se aprende na escola com preparo à vida não dá para ser analisada com argumentos simplistas, pois a própria aprendizagem deveria antes ser dimensionada, além de dados quantitativos", opina.

Com interesse em contribuir para a melhoria do ensino de matemática em todos os níveis de escolaridade, desde 1998, a professora Yuriko participa de projetos de pesquisa em ensino. Atualmente, ela atua no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Exatas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Entre as linhas de pesquisa desse programa estão o currículo para formação de professores de matemática e problemas de ensino e aprendizagem em diferentes níveis escolares.

Responsabilidade Social - A SBM é uma associação que reúne profissionais da área de matemática, e não é responsável direta pelo ensino de matemática nas escolas. Para a professora Yuriko a responsabilidade social dos que detêm o conhecimento e o domínio da área mostra que as últimas ações da SBM envolvem mobilização de colaboradores com potencial, dentro do quadro de associados, em projetos que podem contribuir mais diretamente nos processos de melhoria do ensino e aprendizagem da matemática nas escolas.

Os projetos da SBM incluem desenvolvimento de material instrucional, realização de oficinas com professores de níveis básicos e universitários, elaboração de documento orientador de currículo para licenciatura em matemática, entre outras iniciativas "O objetivo é aproximar as conquistas da área específica da Matemática com o conhecimento necessário para elevar o nível de qualidade do conteúdo ensinado e aprendido nas escolas", explica Yuriko.

Questionada quanto à proposta do MEC de integração das diversas disciplinas do ensino médio em grandes áreas, a professora se mostra favorável, mas alerta para que haja um equilíbrio correto do conteúdo. "Sou a favor, para focar melhor o objetivo do ensino desse nível, porém, como o ensino médio deve prover conhecimento comum para formação do cidadão, as grandes áreas não devem estar separadas de forma estanque. Uma especialização precoce na faixa etária do ensino médio é inadequada, pois a educação básica ainda não está completa", argumenta.

(Edna Ferreira / Jornal da Ciência)

Esta matéria está nas páginas 6 e 7 do Jornal da Ciência impresso. As 12 páginas podem ser acessadas em PDF:
http://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC740.pdf

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