Plantas congeladas sob geleira há 400 anos voltam a brotar

Quatrocentos anos atrás, a temperatura do planeta caiu, em média, 2 graus Celsius. No Círculo Ártico, a redução foi maior e chegou a 5 graus Celsius.
Terras verdes foram cobertas por uma camada de gelo; aves migraram para áreas mais quentes. Mas, com as mudanças climáticas recentes, o cenário criado pelo fenômeno, batizado de Pequena Idade do Gelo, está sendo revertido. Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Alberta, do Canadá, encontrou plantas numa área próxima à Ilha Ellesmere, onde as geleiras têm recuado de 3 a 4 metros por ano desde 2007. Levada para cultivo em laboratório, a vegetação secular voltou a crescer, como se o tempo não tivesse passado.

Aparência conservada
A equipe canadense descobriu a idade da vegetação usando datação por carbono, chegando a camadas de gelo formadas aproximadamente em 1600. Populações de briófitas - as plantas encontradas - são especialistas em ambientes extremos e têm a capacidade de reprogramar-se a partir de uma célula original. Seu desenvolvimento, então, é reiniciado. Depois de rasgar uma folha, por exemplo, é possível regenerar toda a planta a partir do tecido fragmentado. É um sistema diferente das plantas vasculares - com tecido especializado - e permitiu que tenham sobrevivido ao congelamento de uma forma, até agora, impensável. A pesquisa, coordenada pela bióloga Catherine La Farge, foi publicada esta semana na revista "Proceedings of National Academy of Sciences" (PNAS).

- Foi como tirar um cobertor. Encontramos populações intactas emergindo por baixo da geleira, libertadas pelo degelo - comparou Catherine, em entrevista ao GLOBO. - São pelo menos 60 espécies de briófitas com a mesma aparência de 400 anos atrás. O caule, a folha, tudo estava conservado, só que descolorido.

Catherine ressaltou que a ciência só agora começa a compreender a biodiversidade escondida sob o gelo, o que influenciará estudos sobre o ecossistema polar. A região da Ilha Ellesmere, na periferia do Ártico, é uma das regiões do planeta onde o aumento das temperaturas é mais flagrante. O monitoramento do gelo desta localidade mostra que, nos últimos 30 anos, ela aqueceu cerca de 6 graus Celsius.

- Este é um laboratório natural das mudanças climáticas - disse Francisco Eliseu Aquino, professor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que não participou do estudo. - A pesquisa mostra o grande potencial de que esta área recupere sua biodiversidade .

Esta regeneração, porém, provoca polêmica. A curto prazo, segundo Aquino, parece benéfica. Um território inóspito seria novamente povoado - as briófitas normalmente são pioneiras na colonização de qualquer local, sendo seguidas por musgos e aves, entre outras espécies. Estas plantas também captariam CO2 da atmosfera, amenizando o aumento da temperatura do planeta. Em poucos anos, porém, a resposta do Ártico ao renascimento de sua área verde será, na definição de Aquino, "assustadora".

- A biodiversidade original só é revelada com a redução das geleiras, e nós precisamos do gelo - alerta. - A troca de energia entre oceano, atmosfera, terra e gelo sempre ocorrerá. O grande desafio é que boa parte da biodiversidade não se adaptará em tempo hábil ao cenário desenhado pelo aquecimento global.

(Renato Grandelle / O Globo)

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