Modernizado, acelerador de partículas da USP continua a decifrar o comportamento de núcleos exóticos
© Eduardo Cesar
Vida nova: Pelletron ganha dispositivos que permitirão funcionar com máxima energia
Núcleos exóticos são como estrelas de cinema: seu comportamento nem sempre é fácil de explicar. Mas físicos da Universidade de São Paulo (USP) estão usando um acelerador de partículas de baixa energia para esquadrinhar como reagem essas estranhas criaturas – os núcleos, não os atores – durante colisões, na esperança de aprender mais sobre a estrutura das partículas e as forças que regem o Universo.
Em três estudos recentes, o grupo de Rubens Lichtenthäler Filho, do Instituto de Física da USP, seguiu de perto as reações de um elemento químico incomum, o hélio-6. Instável, esse núcleo formado por seis partículas subatômicas – duas com carga elétrica positiva (prótons) e quatro sem carga (nêutrons), dois nêutrons a mais que a forma mais comum e estável do hélio – vive menos de um segundo. Ao colidir um feixe dessas partículas contra um alvo de estanho, os físicos obtiveram dados de espalhamento (e do que sobra dele) que podem ajudar a compreender como a forma do núcleo de hélio-6 afeta sua capacidade de fundir com outros átomos. Conhecido como fusão nuclear, esse fenômeno é importante, por exemplo, para entender como os elementos químicos mais pesados do Cosmo são criados nas explosões de supernovas, estrelas de massa elevada cujo combustível nuclear esgotou.
Aliás, nem só de altas energias vive a física de partículas. Embora experimentos em instalações gigantes como o europeu LHC (Large Hadron Collider ou grande colisor de hádrons), maior acelerador de partículas do mundo, chamem mais a atenção, a verdade é que a maioria das reações nucleares que ocorrem Universo afora, inclusive as que geram os elementos mais pesados nas supernovas, tem níveis energéticos bem mais modestos. E boa parte delas continua tão inexplicada quanto antes.
Os mistérios dessas interações são a principal pauta dos físicos do Pelletron, acelerador instalado nos anos 1970 na USP pelo físico Oscar Sala, ex-diretor científico e ex-presidente da FAPESP. O equipamento passa por uma ampla reforma e modernização, que deve soprar nova vida à pesquisa nuclear nacional. Uma das especialidades do Pelletron é o estudo dos núcleos exóticos, por meio do projeto Ribras (sigla para Feixes de Íons Radioativos no Brasil), coordenado por Lichtenthäler Filho. Instalado no Pelletron, o Ribras é o único equipamento no hemisfério Sul capaz de produzir feixes de núcleos exóticos.
Excentricidade – Mas o que afinal são esses núcleos exóticos? Eles ganham esse nome quando sua composição nuclear os torna instáveis, com existência muito curta. Isso ocorre quando há um desequilíbrio grande entre o número de prótons e o de nêutrons. O hélio, por exemplo, o segundo elemento mais abundante do Universo, tem dois prótons no núcleo. Mas pode apresentar um nêutron (hélio-3), dois (hélio-4) ou mais. Só que as versões com mais de dois nêutrons são instáveis. O hélio-5 é o mais raro deles e, uma vez formado, dura uma fração ridiculamente pequena de segundo: da ordem de 10-22 segundos. Já o hélio-6 tem meia-vida, tempo em que metade da amostra sofre decaimento radioativo e se transforma em outro elemento, de 0,8 segundo.
Uma das curiosidades dos núcleos exóticos é que apresentam formatos e tamanhos incompatíveis com sua massa, definida pela soma de prótons e nêutrons (ver Pesquisa FAPESP nºs 99 e 120). “Como prótons e nêutrons têm mais ou menos a mesma massa, imaginava-se que o lítio-6, que é estável e tem três prótons e três nêutrons, e o hélio-6, com dois prótons e quatro nêutrons, mas instável, tivessem quase o mesmo volume. Mas não é o que acontece”, explica Lichtenthäler Filho. “O hélio-6 apresenta um halo, como se houvesse uma nuvem de nêutrons ao redor do núcleo, tornando seu volume bem maior”, completa. Isso muda a forma como se dão as interações nucleares, tornando-as mais frequentes e poderosas. Grosso modo, quanto maior o volume, maior a chance de colisão.
De que maneira essas interações são alteradas é algo que, até o momento, a teoria não prevê completamente. Por isso, os experimentos são fundamentais para compreender o que se passa com esses núcleos atômicos estufados.
O Ribras foi instalado em 2004, mas a alegria dos físicos durou pouco. No ano seguinte um acidente afetou severamente o Pelletron, quase eliminando sua capacidade produtiva. “Num experimento em abril de 2005, usou-se, por acidente, o metal índio para colar duas peças no sistema de vácuo vizinho ao tubo acelerador”, conta Alinka Lépine-Szily, diretora do Pelletron desde 2007. “Além de bom condutor, o índio é um metal com temperatura de evaporação muito baixa.”
O acelerador ficou ligado a noite toda após aquela operação sem que a válvula que isola o tubo acelerador tivesse sido fechada. Resultado: o índio evaporou, entrou no sistema e condensou-se nas paredes de cerâmica do interior do tubo. Ao religar o dispositivo, havia faíscas por todo lado. Para piorar, a eletricidade descontrolada converteu o gás do tanque do acelerador em ácidos corrosivos, que danificaram outro elemento crítico do sistema, as correntes de carga.
O acelerador passou os dois anos seguintes mais tempo desligado que ligado, e quando estava em operação trabalhava com nível de energia bem inferior ao normal. Idealmente, o Pelletron opera com 8 milhões de volts e essa potência não foi totalmente recuperada. Trazer o Pelletron de volta à fronteira da ciência não foi a mais simples das tarefas. Importado dos Estados Unidos, o acelerador da USP é o mais antigo de sua categoria. Ele fica numa torre de oito andares no Instituto de Física e tem a disposição vertical. Os átomos que produzem os feixes usados pelos físicos partem do topo, onde ganham elétrons e passam a ter carga negativa. Então são atraídos pelo terminal do acelerador, localizado no meio do caminho entre o oitavo andar e o chão, com energia de até 8 milhões de volts. Ao passar pelo terminal, os núcleos perdem seus elétrons ao atravessar uma fina folha de carbono. Ficam, portanto, com carga positiva e ganham impulso adicional. Ao chegarem ao térreo, são manipulados por meio de um campo magnético para fazer uma curva de 90 graus e então são desviados para uma das sete linhas disponíveis – cada qual plugada a um instrumento diferente.
A idade avançada, por si só, não seria um problema para o acelerador, segundo Alinka. “Na Austrália, eles têm o segundo mais velho, que é só dois anos mais novo que o nosso, e está em maravilhosas condições.” Para ela, o problema aqui é a falta de recursos constantes e suficientes para a manutenção da máquina. Mas, após o acidente de 2005, surgiu a oportunidade para recuperar o tempo perdido.
(Fasesp - Salvador Nogueira )
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