Se a série “Parque dos Dinossauros” fosse refilmada com elenco brasileiro, o papel do pequeno e veloz predador Velociraptor talvez ficasse com um crocodilo do interior paulista, natural da região de Araçatuba.
O bicho, que viveu há cerca de 90 milhões de anos, foi batizado de Gondwanasuchus scabrosus pelos paleontólogos que o descobriram.
Com 1,5 m de comprimento, “era um dos menores predadores da região, mas devia ser bem feroz”, segundo Thiago da Silva Marinho, pesquisador da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
Marinho e colegas da UFRJ descrevem o animal em artigo publicado recentemente na revista científica “Cretaceous Research”.
Além de dentes com bordas serrilhadas, parecidos com os de alguns dinossauros carnívoros, o que chama a atenção no pequeno predador é a chamada visão binocular – olhos voltados para a frente, mais ou menos como os dos seres humanos.
“Esses olhos permitiam uma visão mais tridimensional, o que não acontecia com todos os crocodilomorfos [parentes dos crocodilos] da época”, conta o paleontólogo.
“Isso era bastante útil para calcular a distância da presa na hora do ataque. Nós fizemos uma simulação do campo visual dele, e é algo bem parecido com o de um Velociraptor ou de um Tyrannosaurus rex.”
Os fósseis da espécie foram achados em General Salgado (SP), terra natal de outro conhecido crocodilomorfo da Era dos Dinossauros, o Baurusuchus salgadoensis.
Não é mera coincidência: Marinho estima que, nas rochas da região e de áreas geologicamente aparentadas em São Paulo e Minas Gerais, já sejam conhecidas cerca de 20 espécies de primos extintos dos jacarés.
É miragem? – A questão é como explicar tamanha diversidade. O fato de haver registros escassos de dinossauros carnívoros para a região sugere, para alguns especialistas, que nesses locais o papel ecológico desses dinos tinha sido ocupado pelos crocodilomorfos.
“Apesar de essa ser uma hipótese muito forte, ainda não é algo definitivo”, pondera Marinho. “Como os ossos de dinossauros são bem mais frágeis, é possível que eles sejam menos encontrados porque não conseguiram resistir ao tempo.”
Douglas Riff, paleontólogo da Universidade Federal de Uberlândia (MG) que não esteve envolvido no trabalho, elogia a pesquisa e defende a hipótese de que os crocodilos do interior paulista eram “dinossauros honorários”.
“Essa abundância deles, versus a escassez de dinossauros, é de fato um resultado das condições ecológicas do Cretáceo [período final da Era dos Dinossauros], ao menos no Sudeste”, afirma.
Para Riff, a nova espécie pode preencher uma lacuna evolutiva entre crocodilos pequenos e de anatomia primitiva e os predadores de grande porte, como o B. salgadoensis, que chegava a 4 m de comprimento.
Por outro lado, o paleontólogo Reinaldo José Bertini, da Unesp de Rio Claro, diz que uma combinação de fatores pode explicar o grande número de espécies de crocodilos da região.
Eles poderiam ser um pouco mais numerosos que a média, mas a preservação mais difícil dos dinos também influiria. E alguns animais descritos como espécies separadas poderiam ser, na verdade, formas juvenis de bichos descritos anteriormente.
O estudo no qual a nova espécie foi descrita teve apoio financeiro da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), do CNPq e da Capes.
(Fonte: Folha.com)