Brasil vai testar em macacos vacina contra o HIV

Imunizante desenvolvido por pesquisadores da USP pode ajudar a conter avanço da Aids no mundo. 
O Brasil vai começar a testar ainda no segundo semestre deste ano uma vacina contra o HIV, vírus causador da Aids, em macacos. Com duração prevista de dois anos, o experimento vai avaliar um imunizante desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e, caso tenha sucesso e consiga financiamento, poderá ser alvo de ensaios e testes clínicos em humanos, servindo futuramente para conter o avanço da doença na população.

Batizada HIVBr18, a vacina surgiu da análise do sistema imunológico de portadores do vírus que o mantinham sob controle e demoravam mais tempo para adoecer. O estudo, conduzido por Edecio Cunha Neto e Jorge Kalil, da FMUSP, em 2001, descobriu que o sangue destas pessoas tinha uma quantidade de linfócitos T do tipo CD4 (TCD4), o principal alvo do HIV, maior do que o de outras vítimas do vírus.

- Já se sabia que as células TCD4 são responsáveis por acionar os linfócitos T do tipo CD8, produtores de toxinas que matam as células infectadas - disse Cunha Neto à Agência Fapesp, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que junto com o governo federal já investiu cerca de R$ 1 milhão no projeto. - As TCD4 acionam também os linfócitos B, produtores de anticorpos. Mas estudos posteriores mostraram que um tipo específico de linfócito TCD4 poderia também ter ação citotóxica sobre as células infectadas. Os portadores de HIV que tinham as TCD4 citotóxicas conseguiam manter a quantidade de vírus sob controle na fase crônica da doença.

Diante disso, os pesquisadores isolaram pequenos pedaços de proteínas presentes no HIV que se mantêm estáveis em quase todas as cepas do vírus e, com ajuda de um programa de computador, selecionaram as que tinham mais chances de serem reconhecidas pelos linfócitos TCD4 da maioria dos pacientes. As 18 proteínas escolhidas foram então recriadas em laboratório e codificadas dentro de um plasmídeo, uma molécula circular de DNA.

Testes feitos com amostras de sangue de 32 portadores de HIV com condições genéticas e imunológicas variadas mostraram que, em mais de 90% dos casos, pelo menos uma das proteínas foi reconhecida pelas células TCD4, enquanto em 40% dos casos mais de cinco foram identificadas. Os resultados foram divulgados em 2006 na revista "Aids". Já em outro experimento, divulgado em 2010 no periódico científico eletrônico "PloSOne", a equipe liderada por Cunha Neto injetou as proteínas em camundongos geneticamente modificados para expressar moléculas do sistema imunológico humano. Nesse caso, 16 das 18 foram reconhecidas e ativaram tanto os linfócitos TCD4 quanto os TCD8. O grupo então desenvolveu uma nova versão da vacina com elementos conservados de todos os subtipos do HIV do grupo principal, que mostrou-se capaz de induzir respostas imunes contra fragmentos de todos os subtipos testados até o momento.

- Os resultados sugerem que uma única vacina poderia, em tese, ser usada em diversas regiões do mundo, onde diferentes subtipos do HIV são prevalentes - afirmou Cunha Neto.

Os cientistas estimam que, no estágio atual de desenvolvimento, a vacina não eliminaria totalmente o vírus do organismo, mas poderia manter a carga viral reduzida ao ponto de a pessoa infectada não desenvolver a imunodeficiência e não transmitir o vírus. Segundo Cunha Neto, a HIVBr18 também poderia ser usada para fortalecer o efeito de outras vacinas contra a Aids, como a desenvolvida pelo grupo do imunologista Michel Nussenzweig, da Rockefeller University, de Nova York, feita com uma proteína do HIV chamada gp140.

- Em um experimento, observamos que a pré-imunização com a HIVBr18 melhora a resposta à vacina feita com a proteína recombinante do envelope do HIV gp140, que é a responsável pela entrada do vírus nas células. Uma vacina capaz de induzir a produção de anticorpos contra essa proteína poderia bloquear a infecção pelo HIV - disse.

A a última etapa dos testes pré-clínicos da HIVBr18 será realizada na colônia de macacos Rhesus do Instituto Butantan. A vantagem de fazer testes em primatas é a semelhança com o sistema imunológico humano e o fato de eles serem suscetíveis ao SIV, vírus que acredita-se ter dado origem ao HIV.

- Nosso objetivo é testar diversos métodos de imunização para selecionar aquele capaz de induzir a resposta imunológica mais forte e então poder testá-lo em humanos - contou Cunha Neto.

Se a HIVBr18 for bem-sucedida nessa primeira etapa da fase clínica, poderá despertar interesse comercial, esperança dos cientistas para atrair investidores privados, uma vez que o custo estimado para chegar até terceira fase dos testes clínicos é de R$ 250 milhões.

(O Globo)