Canto dos pássaros dá pistas sobre a aquisição da fala em bebês

Bebês aprendem a falar meses depois de começarem a entender a língua. Ao aprender a falar, eles balbuciam, repetindo a mesma sílaba (da-da-da) ou combinando sílabas numa sequência como da-do-da-do.

Mas ao balbuciar, o que os bebês estão realmente fazendo? E por que leva tanto tempo para começarem a falar? Insights sobre os mistérios da aquisição da fala em humanos estão vindo de uma fonte surpreendente: do canto dos pássaros.

Pesquisadores da fala infantil e estudiosos do canto de pássaros se juntaram em um novo estudo e sugerem que aprender a transição entre as sílabas – do “da” para o “do”e do “do para o “da” – é o gargalo crucial que separa o balbuciar do falar.
“Descobrimos um componente do desenvolvimento vocal anteriormente desconhecido. Balbuciar não é apenas aprender a emitir sons, mas também aprender a fazer a transição entre sons”, afirma a líder do estudo, Dina Lipkind, psicóloga do Hunter College de Manhattan.
A descoberta pode eventualmente ajudar a entender problemas de fala em humanos.
“Toda vez que se conhece algo fundamental sobre o desenvolvimento, você ganha conhecimento sobre o que acontece com crianças com algum tipo de desordem”, diz Kimbrough Oller, pesquisador da linguagem na Universidade de Memphis.
Mas no princípio, os cientistas por trás da descoberta não estavam estudando crianças humanas. Eles estudavam pássaros.
“Quando entrei no projeto, jamais imaginava que aprenderíamos algo sobre o discurso humano”, diz Ofer Tchernichovski, um pesquisador de canto de pássaros e um dos autores do artigo, publicando no dia 29 de maio na versão online da Nature. Ele e Dina Lipkind ensinavam jovens tentilhões-zebra habitando caixas à prova de som a trocar a ordem das sílabas em suas canções.
O canto dos pássaros é composto de sílabas discretas (gorjeio ‘A’, gorjeio ‘B’), similares às sílabas da fala humana. Os pesquisadores usaram um macho adulto para ensinar um canto (A-B-C) aos jovens e depois ensinaram uma nova canção fazendo os pássaros usarem as mesmas sílabas numa ordem diferentes (A-C-B).
Os pássaros conseguiram aprender a nova canção, mas apenas depois de um esforço tremendo. O fato de que a nova música exigia que eles simplesmente trocassem as sílabas de lugar sugeriu o bloqueio estava no aprendizado das transições e não dos sons em si.
Um colaborador no Japão observou o mesmo efeito em tentilhões-bengalenses, espécie capaz de cantos bem mais complexos. Esses pássaros, por sua vez, estavam habitanto um aviário, um ambiente mais próximo ao natural.
Os doutores Tchernichovski e Gary Marcus, que estudam aquisição de linguagem na Universidade de Nova York, entraram na discussão. A dificuldade dos pássaros em aprender as transições poderia semelhante nas crianças?
Ao analisar dados de gravações de balbucios infantis, eles descobriram que ao introduzir uma nova sílaba em seu repertório, as crianças tendem primeiro a repeti-la (do-do-do), depois a fazer com que comecem ou terminem uma sequência (da-da-do), para só então inseri-las no meio de outras sílabas (da-do-da).
Como com os pássaros, a transição entre as sílabas novas e velhas é um processo difícil. Isso ajuda a explicar por que as crianças continuam a balbuciar mesmo quando já começaram a entender a língua, o que torna o intervalo entre compreensão e discurso menos misterioso.
O estudo também deve reacender um debate delicado entre linguistas e pesquisadores de canto de pássaros: podemos realmente usar o canto da aves para aprender sobre o discurso humano?
Apesar de aparentemente humanos e pássaros terem pouco em comum, pesquisadores têm encontrado paralelos surpreendentes. Em nível genético, aves e humanos dividem blocos moleculares de construção – incluindo o gene FOXP2, identificado há uma década como o gene responsável por uma misteriosa desordem de fala humana. Em nível neurológico, eles parecem ter as mesmas estruturas cerebrais cruciais para o canto (nos pássaros) e fala (nos humanos).
E sob o ponto de vista comportamental, tanto pássaros quanto humanos juntam séries de sílabas em frases, balbuciam durante o período crítico de aprendizado, e ambos aprendem a emitir sons com os mais velhos – pássaros aprendem a cantar com um tutor macho, e crianças aprendem a falar com seus pais.
Com esses paralelos em mente, mais e mais pesquisadores têm se voltado ao estudo do canto como um modelo para o discurso humano, que é notoriamente difícil de ser estudado. Com pássaros, pode-se fazer mais experimentos.
“Não se pode colocar crianças para viver caixas à prova de som”, diz Dina Lipkind.
Alguns estudiosos, contudo, questionam o quanto o canto dos pássaros pode de fato nos dizer sobre a fala humana.
“O paralelo não vai muito longe. A diferença mais importante é que, diferentemente do canto dos pássaros, a língua tem significado”, diz a linguista da Universidade de York, no Reino Unido, Marilyn Vihman.
 (Fonte: Portal iG)