Unicamp adota o pôquer como disciplina para ensinar negócios

No Brasil, a universidade é a primeira a iniciar aulas que abordam os tipos de habilidades e competências necessárias neste jogo para serem aplicadas em diferentes situações da vida. 
 
Em uma classe com 57 mulheres e 73 homens na faixa dos 20 anos, o professor Cristiano Torezzan, matemático de formação, comanda uma disciplina em que o principal objeto é o jogo de pôquer. No passado praticamente banido das salas de aula, é curioso um jogo de cartas se tornar o protagonista de uma disciplina.

 No Brasil, a Unicamp é a primeira universidade a iniciar aulas que abordam os tipos de habilidades e competências necessárias neste jogo para serem aplicadas em diferentes situações da vida. A universidade estadual segue agora o que outras instituições de ensino estrangeiras, como o Massachusetts Instituteof Technology (MIT) e a Universidade de Harvard, já fazem há mais tempo.

"Não queremos formar jogadores de pôquer, mas pessoas que vão liderar projetos e equipes", explica Torezzan. Segundo ele, essas pessoas têm que tomar decisões baseadas em um conjunto de informações que elas controlam, mas existe também um conjunto de informações que elas não controlam. "Chamamos isso de cenário de informações incompletas. O resultado de uma decisão depende da interação desses dois conjuntos e essas são situações bem similares ao que acontece no pôquer".

Fazendo uma analogia do jogo com os negócios empresariais, as cartas são um elemento aleatório, sobre os quais não há controle. Mas o jogador pode fazer cálculos probabilísticos das chances de ganhar uma rodada versus o seu custo. E isso pode dar um bom resultado se aliado a uma estratégia de tomada de decisões baseada em uma análise do padrão de comportamento dos oponentes, acreditam especialistas da modalidade esportiva. Como comparação, muitas decisões nas empresas são tomadas em cenários de incerteza. Ao mesmo tempo, o movimento de uma companhia no mercado muitas vezes depende também da ação que o seu concorrente faz - ou que se espera que vá fazer.

A disciplina "Fundamentos do Pôquer", dada na Faculdade de Ciências Aplicadas, na Unicamp - campus de Limeira, teve uma demanda surpreendente e atingiu a lotação máxima da classe: 130 pessoas. É a matéria eletiva (não obrigatória) com mais alunos neste semestre. Em média, as disciplinas eletivas têm 60 estudantes nesse campus. Torezzan trouxe à primeira aula alguns dos principais nomes do pôquer no Brasil: André Akkari, campeão mundial em 2011, que ajudará a dar algumas aulas, e Igor Trafane, presidente da Confederação Brasileira de Texas Hold'em, a modalidade de pôquer mais praticada no mundo. Eles foram "sabatinados" pelos alunos por cerca de duas horas.

O estudante de engenharia Henrique Kojin Peres, 21 anos, disse que "a primeira aula foi um bate-papo com dois ídolos". Jogador de pôquer desde 2009, ele entende que, mais importante do que as cartas, é a leitura que você faz do seu adversário. "É preciso saber usar essas informações, saber quando a pessoa está mais confiante ou ansiosa", diz ele, que pretende trabalhar em consultorias.

Um dos principais objetivos da disciplina é que o pôquer seja entendido como um jogo mental, distanciando-o de outros de azar como a roleta, em que se depende exclusivamente da sorte. Trafane afirma que diversos estudos acadêmicos mostram que a aleatoriedade da distribuição das cartas tem pouca influência no pôquer e, ainda que existam alguns questionamentos a esse respeito, as decisões judiciais tem sido favoráveis.

Em diversos países os vencedores de torneios de pôquer são vistos como pessoas de intelecto privilegiado, com grande conhecimento de estratégia, matemática e estatística. Mas existe também espaço para a análise psicológica e situações nas quais o lado emocional passa a ser mais importante. "É quando o jogador se pergunta sobre o oponente: 'quem é esse cara? por que ele está fazendo isso?'", exemplifica Torezzan.

Estudante de engenharia de produção, Lucas Delago, 21 anos, também está matriculado na disciplina e diz que no pôquer os jogadores costumam "separar comportamentos específicos". Em uma mesma mesa há, por exemplo, o especulador, que tenta ganhar mesmo sem cartas tão boas, e pessoas mais contidas, que esperam as melhores mãos para jogar. "Uma boa estratégia é não criar estratégias fixas. Durante um torneio, as pessoas vão tentar interpretar suas ações e tirar conhecimento daquilo que você costuma fazer."

Serão três módulos até dezembro. O primeiro trata de noções básicas do jogo. No segundo, há aspectos da matemática como a teoria dos jogos e, no terceiro, há aulas só com profissionais do pôquer. Não há baralho na sala de aula. Sempre são analisadas situações de torneios, projetadas em tela. Para avaliação, os alunos jogarão torneios em uma página na internet, só entre pessoas da turma e com dinheiro fictício.

Embora a Unicamp seja a primeira a abrir espaço para a modalidade no país, outras duas instituições de ensino - uma no Rio de Janeiro e outra no Rio Grande do Norte - também demonstraram interesse em ofertar a disciplina.

(Vanessa Jurgenfeld / Valor Econômico)

http://www.valor.com.br/carreira/3240454/unicamp-adota-o-poquer-como-disciplina-para-ensinar-negocios

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