Hábitos que dão fim ao desperdício de alimentos em casa


As mesas de nossos lares significam o fim de percurso dos alimentos? Engana-se quem pensa assim. Ao chegar às nossas casas, 20% dos alimentos adquiridos semanalmente pelos consumidores brasileiros vão parar no lixo, segundo dados o caderno temático "A nutrição e o consumo consciente" do Instituto Akatu.

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Muitas partes de alimentos deixam de ser aproveitadas, a exemplo das cascas e dos talos
Foto: Favela Orgânica
Mas não estamos só falando daquela comida que sobra no prato. O desperdício está nas compras excessivas, fruto de falhas no planejamento doméstico, do armazenamento incorreto e de partes de alimentos que deixam de ser aproveitadas, pois acabam vistas como sem utilidade, a exemplo das cascas e dos talos.

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Na casa de Marcos a lixeira não vê sinal de cascas e muito menos de sobras ou alimentos estragados
O desperdício pode ser combatido individualmente. Grandes mudanças começam com práticas simples, como naquele ditado que diz: "O exemplo vem de casa". É o que faz o estudante baiano Marcos Aurélio, de 24 anos, que a partir de 2010 decidiu zerar seu desperdício. "Não precisei fazer grandes transformações, mas mesmo se precisasse não pensaria duas vezes", garante.

Em sua casa, onde mora sozinho, a lixeira não vê nem sinal de cascas e muito menos de sobras ou alimentos estragados. Entre as mudanças de hábito, ele revela que passou a frequentar o mercado toda a semana e sempre com uma lista. "Além de comprar apenas o que vou usar no cardápio da semana, eu observei que o valor gasto no mercado diminuiu, já que evito compras desnecessárias, sem falar do ganho tempo, pois já sei exatamente o que comprar".

Não gosto da palavra ‘reaproveitar’ porque na verdade estamos aproveitando alimentos. Cascas e talos, frutas amassadas, sobras do almoço, todos são alimentos"
Regina Tchelly, criadora do Favela Orgânica
As frutas e verduras que serão consumidas são bem lavadas por Marcos, no intuito de tornar possível o consumo total dos alimentos. Ele lembra ainda que não abre mão de consumir apenas orgânicos.

A decisão do estudante de mudar os hábitos contou com ajuda do movimento Slow Food, que conheceu por meio da internet. "Quando decidi que queria evitar o desperdício, comecei a pesquisar maneiras de tornar isso possível. Vi nos princípios do Slow Food o incentivo que precisava para levar minha decisão adiante", explica.

Alimentação consciente

Segundo a gastrônoma Vera Lucia de Almeida Silva, que vem difundindo em São Paulo, junto com um grupo de pessoas, o movimento internacional criado pelo cozinheiro italiano Carlo Petrini, em 1986, o Slow Food prega uma alimentação consciente, aliada ao prazer de comer bem e à responsabilidade pela preservação. Falar dele é falar em ecogastronomia, conceito pelo qual o alimento deve ser bom, limpo e justo.

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                         Vera Lucia e Ernani Gouvea, amigos e idealizadores da ecogastronomia
Foto: arquivo pessoal
"Quando adquirimos um produto nessas condições, podemos aproveitá-lo integralmente e criar receitas deliciosas como, por exemplo, torta de folha e talos de brócolis, bolos com casca de banana, doce de casca de melancia e muito mais", exemplificou Vera. Na concepção dela, a adoção dos valores do movimento já é o primeiro passo para alcançar a verdadeira solução do desperdício de alimentos em casa, o que começa com a educação.

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Ernani Gouvea em oficina de plantio de temperos
Foto: arquivo pessoal
"A importância de uma alimentação consciente deve fazer parte da primeira infância, em casa e na escola. Nós, adultos, precisamos fazer escolhas melhores, pois somos coprodutores", defende Vera, que complementa: "O movimento Slow Food vem para contribuir com a melhoria na qualidade de vida das pessoas por meio de uma filosofia que busca desacelerar esse ritmo alucinante e fazer pensar o que realmente é importante para nossas vidas".

A paulistana de 54 anos foi bancária por quase três décadas e, ao se aposentar, decidiu fazer faculdade de tecnologia da gastronomia. Atualmente é professora de ecogastronomia e atua com palestras em organizações não governamentais e escolas, além de ministrar, junto ao amigo Ernani Gouvea, oficinas de plantio e aproveitamento integral dos alimentos.

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Ela explica que todo trabalho está voltado ao objetivo de orientar as pessoas a evitar desperdícios, aproveitar o máximo dos ingredientes e gerar menos resíduos ao meio ambiente.

Favela orgânica

Outra alternativa para se evitar o desperdício, por meio do reaproveitamento de alimentos, é o Favela Orgânica. Nesse quesito, Regina Tchelly, idealizadora do projeto, é mestra no assunto. Mas a paraibana prefere chamar seu trabalho de 'aproveitamento'. "Não gosto da palavra 'reaproveitar' porque na verdade estamos aproveitando alimentos. Cascas e talos, frutas amassadas, sobras do almoço, todos são alimentos".

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Regina Tchelly criadora do projeto Favela Orgânica
Fotos: Favela Orgânica
A paraibana conta ainda que aprendeu com seus pais as soluções para evitar o desperdício em casa. "Eles aproveitavam o alimento integralmente. Usavam os legumes com as cascas e o que não comiam ia parar na horta ou servia de comida para os animais", conta.

A educação alimentar que teve no lar, Regina resolveu disseminar com a criação do projeto Favela Orgânica. Ela lembra que, ao chegar ao Rio de Janeiro (onde vive há 12 anos, dos quais 11 trabalhando como doméstica), deparou-se com um grande volume de desperdício, algo que não estava acostumada a ver. Em casa mesmo, reuniu-se com seis mães de família e com apenas R$ 140,00, deu início ao que hoje mais ama fazer: cozinhar, aproveitar e ensinar.

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Oficina de utilização de cascas e talos de alimentos em receitas
A Favela Orgânica começou como um pequeno projeto e já chegou ao exterior. Regina relata que, no início, muita gente dizia "eca" para suas receitas, mas na hora de degustar todo preconceito ia por "água abaixo".

Para manter as oficinas, a cozinheira conta com a ajuda de lanchonetes, restaurantes e feiras da zona sul do Rio, que doam os principais ingredientes, ou seja, cascas, talos e alimentos amassados.

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Brigadeiro feito com casca de banana
"Eu acho que Brasil seria um país de primeiro mundo se as pessoas comprassem mesmo a ideia da Favela Orgânica, tendo em vista que dois dos nossos maiores desafios são a fome e o lixo", projeta Regina Tchelly.

(ECOD)

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