Família colombiana com rara mutação genética ajuda pesquisadores a identificar sinais para detecção precoce da doença.
Um estudo que teve como alvo uma família colombiana com uma rara mutação genética que faz com que seus integrantes desenvolvam o mal de Alzheimer precocemente está ajudando os cientistas a entender melhor como a doença evolui, abrindo caminho para sua detecção e tratamento preventivo. Segundo os pesquisadores, foi possível encontrar sinais que caracterizariam o aparecimento do Alzheimer pelo menos 20 anos antes de a doença se instalar e provocar danos irreversíveis no cérebro, muito mais cedo do que qualquer exame atualmente disponível.
Os cientistas do Instituto Banner para o Alzheimer e da Universidade de Boston, nos EUA, em colaboração com a Universidade de Antioquia, na Colômbia, analisaram imagens do cérebro, o sangue e o fluido cerebrospinal (líquor) de 44 adultos de 18 a 26 anos pertencentes ao grupo familiar com cerca de cinco mil membros que mora na cidade de Medellín e seus arredores. Destes, 20 carregam uma variação no gene conhecido como presenilina-1 (PSEN1) que torna certo que vão sofrer com o Alzheimer em uma idade precoce.
Apesar de nenhum dos voluntários ter qualquer sintoma do mal, a análise revelou diferenças significativas na estrutura e função cerebral entre os dois grupos, assim como nos seus fluidos corporais. Segundo os pesquisadores, os portadores da mutação no PSEN1 apresentam uma maior atividade em regiões do cérebro chamadas hipocampo e para-hipocampo, envolvidas com a consolidação da memória, além de terem menos massa cinzenta em algumas partes do órgão. Seu líquor, por sua vez, continha altos níveis de uma proteína conhecida como amiloide beta, cujo acúmulo em placas no cérebro já foi associado com o mal. Essas placas, no entanto, só podem ser detectadas por volta de dez anos antes do aparecimento dos primeiros sintomas da doença, já tendo então comprometido parte do órgão.
"Estas descobertas sugerem que as mudanças no cérebro começam anos antes da instalação clínica do mal de Alzheimer, e antes mesmo do início do depósito das placas de amiloide beta", conta Eric Reiman, do Instituto Banner e principal autor do artigo sobre o estudo, publicado na edição desta semana da revista "Lancet Neurology". "Isso levanta novas questões quanto às primeiras alterações no cérebro envolvidas com a predisposição a desenvolver Alzheimer e como elas podem ser atacadas por futuras terapias preventivas".
Hoje, exames de imagem do cérebro e do líquor já são usados na tentativa de prever se uma pessoa vai desenvolver Alzheimer, mas seus resultados não fornecem um diagnóstico definitivo. Os novos achados, no entanto, podem melhorar os parâmetros para a pesquisa destes biomarcadores, não só em pacientes com a rara mutação que os leva a apresentar sintomas do mal ainda na faixa dos 40 anos, como também nos que ele se instala mais tardiamente.
"Este estudo soma mais peças para fechar o quebra-cabeças do que é e como o Alzheimer se instala", comenta o neurologista Oscar Bacelar, membro titular da Academia Brasileira de Neurologia. "Cada vez mais se procura o diagnóstico precoce, e no futuro poderemos até evitar que a doença se desenvolva."
Tratamento preventivo - Segundo Bacelar, ainda não existem tratamentos aprovados contra a formação das placas de amiloide beta no cérebro. A expectativa, porém, é que, no prazo de dez anos, já exista algum tipo de medicamento capaz de prevenir o Alzheimer. Indivíduos do grupo familiar da Colômbia em que a doença já teria se instalado estão tomando uma droga chamada crenezumab como parte de um teste clínico iniciado este ano e coordenado por Reiman para avaliar sua eficácia nesta prevenção. Por isso, Bacelar destaca a importância da criação de métodos e exames que consigam identificar o mais cedo possível quem já começa a ter sinais da doença.
"Hoje não podemos fazer nada com essa informação, mas possivelmente no futuro teremos uma vacina ou soro antiamiloide beta eficaz, e é um excelente passo termos biomarcadores para diagnosticar o mal", avalia Bacelar, sobre a perspectiva aberta pelo estudo. "Muitas vezes, quando o paciente chega no consultório, a doença já está bem avançada. A enfermidade é como um trem em movimento que tentamos frear, mas nunca para, e a ideia é não deixar ele nem sair da estação".
(O Globo)

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