Aluno que boicotar exame terá 'ficha suja', diz conselho de medicina de SP


'Rebeldia' será arquivada e poderá ter 'impacto negativo' na carreira do futuro médico, afirma Cremesp. Líderes estudantis de três universidades pregam boicote à prova, que é obrigatória para estudantes do 6º ano.


Estudantes de medicina que boicotarem o exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) poderão ficar com a "ficha suja" no conselho. A prova, que passou a ser obrigatória para os alunos do sexto ano, é pioneira no País e acontece no domingo em São Paulo. Sem o certificado de participação, o estudante não obtém o registro profissional no conselho paulista.

Lideranças estudantis de três universidades (Unicamp, Unesp e Faculdade de Medicina de Marília) estão recomendando que os alunos boicotem o exame. A orientação é para que marquem, em todas as questões, a alternativa "B", de boicote.

Segundo o Cremesp, o "ato de rebeldia" ficará arquivado no conselho, na pasta do futuro médico. "Esses colegas estão entrando na profissão agora. Será que vão querer começar já cometendo uma infração ética?", questiona o conselheiro Bráulio Luna Filho e um dos coordenadores do exame, referindo-se à resolução que tornou obrigatório o exame.

Ele diz que a adesão ao boicote poderá ter um "impacto negativo" na carreira do futuro médico. "Não pretendemos fazer nenhum uso disso agora. Mas [a prova] vai ficar guardada, se precisar."

Criado em 2005, o exame era optativo até o ano passado. Nos últimos anos, foi sendo esvaziado. Em 2011, apenas 418 alunos (contra 998 de 2005) se inscreveram. A taxa de reprovação foi de 46% - índice médio dos últimos sete anos. "Temos absoluta convicção de que o recém-formado que não consegue acertar 60% da prova não tem condições de sair atendendo as pessoas sem colocar em risco a saúde delas", afirma Renato Azevedo Júnior, presidente do Cremesp.

O teste não exige nota mínima para aprovação. O aluno só precisa comparecer no dia da prova e responder a todas as questões. Por força de lei, o Cremesp não pode condicionar o registro à aprovação em um exame. Isso exigiria uma lei federal.

Novo modelo - A Associação Brasileira de Ensino Médico (Abem) e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, já se posicionaram contrários ao exame do Cremesp. Eles defendem uma avaliação seriada do aluno: no 2º, 4º e 6º anos do curso.

Padilha disse que os ministérios da Saúde e da Educação estão discutindo um novo modelo de avaliação permanente dos estudantes e das escolas médicas. "É preciso avaliar aluno e faculdade. Se não houver evolução, o aluno não pode ser o único penalizado. A faculdade deverá ser proibida de ofertar novo vestibular."

Azevedo Júnior, do Cremesp, afirma que o conselho é favorável que as escolas de medicina avaliem seus alunos permanentemente, mas que haja uma avaliação externa no final do curso, nos moldes das que existem nos EUA e na Inglaterra. "As escolas são ineficientes nas suas avaliações. O ministério e a Abem defendem o exame progressivo, mas não o fazem", diz Luna Filho.

A despeito da polêmica, o exame tem recebido apoio de médicos renomados, como o cardiologista Adib Jatene e o oncologista Drauzio Varella, que também defendem avaliações externas periódicas. Para Jatene, o teste não deve ser encarado como punição, "mas como uma das formas de obrigar a escola a ensinar, e o aluno a aprender".

Drauzio Varella diz que o exame do Cremesp é o primeiro passo para aprimorar a formação dos médicos. Ele apoia avaliações periódicas também para os médicos já formados. "Médicos desatualizados colocam em perigo a integridade dos pacientes."

CONTRA
Prova culpa só aluno por falhas, afirma líder

Aluno do segundo ano de medicina da Unicamp, André Citroni, do Centro Acadêmico Adolfo Lutz, é um dos líderes do boicote.

Folha - Por que o boicote?
André Citroni - Defendemos uma avaliação continuada, para que os problemas sejam corrigidos ao longo do tempo, e não uma prova só no final do curso. O currículo tem muitas falhas, mas a prova só responsabiliza o aluno. Escola e professores também têm uma grande participação.

Qual é a principal crítica?
A prova só avalia o conhecimento teórico, não o prático, o humanístico. Não dá para dizer que o aluno é bom ou ruim só porque acertou 50%, 60%, 70% das questões. O curso de medicina é prático. A gente defende prova continuada, a cada dois anos.

Por que então vocês não defendem uma reformulação?
A prova não vai sofrer mudanças, o Cremesp já sinalizou isso.

A FAVOR
É melhor ter isso do que não ter, diz estudante

Aluno do 6º ano de medicina da USP e ex-presidente do centro acadêmico, Flávio Taniguchi defende o exame do Cremesp, mas critica o seu modelo.

Folha - Por que você defende o exame?
Flávio Taniguchi - Não é a avaliação ideal. Gostaríamos de uma avaliação continuada e que, no 6º ano, houvesse uma prova prática nos moldes da residência. Um exame teórico é incompleto. Mas é melhor ter isso do que não ter.

O boicote foi discutido?
A gente fez um plebiscito, mas a maioria votou contra. É melhor participar e tentar melhorar a prova do que boicotar.

O Cremesp diz que o boicote é defendido mais pelos alunos do início do curso do que os sextanistas.
Quando eu estava no 3º ano, era contra. Quando estamos na linha de frente do sistema, vemos que é preciso fazer algo para melhorar a qualidade da assistência.

(Folha de São Paulo)

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