Voluntários criam reserva para a preservação de plantas medicinais

Casca de árvore com poder cicatrizante e batata anti-inflamatória fazem parte de uma coleção de plantas medicinais com grande potencial para a saúde. Para conservar essa riqueza, um grupo de voluntários criou uma reserva em Araxá, Minas Gerais.

Dez anos atrás, passarinho não estaria se refestelando em fartura de comida. Em 2000, trinta e sete hectares de pasto se transformaram na Reserva Ecocerrado Brasil, com o objetivo de conservar espécies de plantas medicinais, principalmente do cerrado. Todos que trabalham no lugar são voluntários e a área da reserva foi doada.

Mesmo antes de doar as terras para a formação da reserva, o voluntário Ismael Honorato e mulher dele, a dona Lourdes Honorato, já lidavam com plantas medicinais.

“Quase que tem dois mil anos. Acreditando na reencarnação, que eu sou espírita, deve ser mais ou menos isso. É impressionante. A gente sai com raizeiro para procurar determinada erva. Ele chega na erva e fala: não é isso? E não é que é?”, contou dona Lourdes. “Eu adoro fazer esse trabalho”, disse Honorato.

A reserva também é fruto de um encontro, que hoje já se transformou em parceria. No lugar, a sabedoria popular e a ciência caminham juntas.

Há anos a química Ana Maria Pereira, pesquisadora da Unaerp, Universidade de Ribeirão Preto, em São Paulo, dedica-se ao estudo de plantas medicinais. Ana Maria soube do trabalho realizado em Araxá e ficou encantada.

“O seu Ismael é um homem que tem um vasto conhecimento sobre plantas medicinais. Nós julgamos interessante unir o conhecimento que ele trazia com o conhecimento que nós tínhamos na universidade”, explicou Ana Maria.

Todo mundo aprende com todo mundo. A doutora Ana Maria ensinou que a alfavaca se colhe de meio-dia às 14hs. “Ela concentra o maior número de princípios ativos. Antes, a gente coletava em qualquer horário. Não tinha um horário especifico”, lembrou Honorato.

Ismael Honorato aprende e ensina. “O seu Ismael tem nos ensinado que as plantas medicinais, cujo principio ativo está na raiz, se plantadas na lua minguante também vão produzir muito mais matéria seca e princípios ativos do que plantado em outra lua. Essa é uma informação que estamos pesquisando para ver se há possibilidade de confirmar cientificamente”, esclareceu a doutora.

A reserva conta hoje com cerca de 150 espécies de plantas medicinais. Muitas têm grande potencial, segundo a doutora Ana Maria.“Essa planta, certamente, será num futuro muito próximo um dos fitoterápicos mais comercializados no Brasil. Ela é conhecida como mulungu. O nome científico é Erythrina mulungu. Ela serve para depressão”, avisou.

Mas não tem só árvore no cerrado. As mais de 700 espécies catalogadas no bioma são na maioria ervas e plantinhas rasteiras, como a mandevilla velutina, que tem um nome popular bem sugestivo de batata-infalível.

“Essa batata tem uma substância chamada velutinol, que tem um poder anti-inflamatório espetacular”, esclareceu a doutora Ana Maria.

Os voluntários da reserva fazem incursões frequentes ao campo na companhia de raizeiros, como Amador Tiburcio Borges, profundo conhecedor das espécies medicinais.

Uma das mudas coletadas foi de rabo de tatu, planta que nem os voluntários mais antigos conheciam e que o raizeiro Amador Borges usa para tratar do diabetes.

Sem a ajuda do raizeiro, é complicado identificar o tal rabo de tatu no campo. Mas com ele parece fácil. “Graças a Deus, eu conheço remédio demais. Todo jeito que a pessoa clamar que sente, eu sei o remédio”, avisou Borges.

Os voluntários da reserva encheram vasos com as mudas de rabo de tatu. A bióloga Valéria Conde preparou uma ficha com nome popular da espécie e sua localização exata. Um GPS ajuda nesse trabalho. Ela separa três exemplares de rabo de tatu e embala separadamente.

“Uma eu vou mandar para a universidade com uma amostra da planta para fazer os ensaios fitoquímicos; uma vai para o taxonomista, que faz a identificação; e a outra fica no herbário da reserva. Agora, a participação de pessoas como o seu Amador nesse trabalho é fundamental. A gente não chega a campo e pega qualquer planta. Tem que ter uma indicação. A partir dessa indicação do conhecimento popular a gente desenvolve o trabalho científico em cima dessa planta”, reconheceu Valéria.

Toda matéria prima colhida na reserva é doada para laboratórios de fitoterapia que distribuem a medicação gratuitamente. Um deles, em Araxá, atende uma média de 500 pessoas por mês. Para dar conta da demanda são necessários 250 litros de medicamento, que sai quase todo da reserva.

“Essa ideia de que as plantas naturais não fazem mal, não possa provocar nada, não é verdadeira. Aí entra a questão da dosagem. Uma dosagem errada pode causar problema”, orientou o químico Fernando Ceolin.

A distribuição gratuita do medicamento é só uma das pontas desse trabalho, que para essas pessoas tornou-se filosofia de vida.

“A partir da hora que nós nascemos nesse planeta, somos consumidores dele: do ar, do solo e da água. O que eu estou fazendo para retribuir? A Reserva Ecocerrado Brasil é o nosso espaço de retribuição”, concluiu Valéria.

As plantas medicinais devem ser usadas com cuidado e com orientação de profissionais.

(Fonte: G1)

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