Acelerador de partículas é projetado e construído no Instituto de Física da USP.
Mícrotron: experimentos em física nuclear e na medicina
Existem vários modelos de aceleradores de partículas, com tamanhos diferentes e características próprias. São máquinas que levam, no interior de uma tubulação, feixes de partículas até um alvo específico para quebrar um átomo, entrar em choque com partículas subatômicas ou entender a formação de um material, orgânico ou inorgânico. No mundo, o mais famoso é o gigantesco Large Hadron Collider (LHC), localizado na Europa. No Brasil, o maior é o Síncrotron, instalado em Campinas, no interior paulista. O mais recente exemplar desse tipo de máquina no país é um mícrotron que acelera elétrons até perto da velocidade da luz e foi, de forma quase completa, aqui projetado e construído por pesquisadores do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) com recursos financeiros da FAPESP – principalmente para a compra de equipamentos e bolsas de estudo –, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), num total de investimentos de cerca de R$ 1,5 milhão.
Os primeiros testes que validaram o equipamento e produziram feixes de elétrons foram realizados em 2008 e os experimentos iniciais com o novo acelerador aconteceram em agosto de 2010. Esse começo de trabalho tratou de análises e diagnóstico para detecção do feixe e da emissão de radiação gerada pelo acelerador, estudos que estão relacionados com a construção do complemento do aparelho. Hoje o acelerador opera com um feixe de energia de 1,9 milhão de elétrons-volts (MeV). O objetivo para os próximos cinco anos é atingir os 38 MeV, que o transformarão em uma máquina única no mundo porque não existe outro mícrotron com essa configuração. O maior mícrotron do planeta está na Universidade Johannes Gutenberg de Mainz, na Alemanha, instituição que colaborou com a equipe do IF ao longo de todo o projeto, possuidora de um acelerador com energia de até 1,5 bilhão de elétrons-volts (GeV).
O mícrotron da USP deverá atingir um estágio intermediário de 6 MeV, com um feixe de boa qualidade, em 2012 ou 2013. “Com 6 MeV será possível fazer estudos com finalidades médicas porque é a mesma energia dos aceleradores usados em radioterapia para tratamento de cânceres”, diz o professor Vito Vanin, coordenador do mícrotron e chefe do Departamento de Física Experimental do instituto. “Com ele poderemos estudar a interação entre a radiação e o corpo. Nesses casos, para aplicação da radioterapia, hoje se prepara uma máscara para a radiação atingir apenas o local onde está o tumor. Ocorre que as beiradas dessa área também são afetadas e gostaríamos de contribuir para minimizar esse problema. Os dados experimentais atuais sobre esse tema são escassos”, diz Vanin. Nesses estudos, os brasileiros terão a colaboração de pesquisadores das universidades de Barcelona e Politécnica da Catalunha, ambas na Espanha, e da Universidade Duisburg-Essen, na Alemanha, que possuem trabalhos teóricos sobre o assunto e pretendem entrar numa fase experimental com o equipamento do IF da USP.
Em estudos de física básica o novo acelerador poderá colaborar para um melhor entendimento das reações de fissão em núcleos pesados, como átomos de urânio, tório e outros elementos em que será possível retomar as linhas de pesquisa interrompidas com o antigo acelerador linear de elétrons do IF, aposentado definitivamente em 1993. Era uma máquina que foi doada pela Universidade Stanford, dos Estados Unidos, para o IF em 1967 com a intermediação do professor José Goldemberg, da USP. “Nós pensávamos em construir um novo acelerador ainda com o antigo funcionando”, diz Vanin. Embora com mais energia, igual a 60 MeV, o antigo acelerador era do tipo pulsado, enquanto o ideal e mais avançado para a área de pesquisa seria um acelerador com um feixe contínuo de elétrons em altíssima velocidade e sem pulsos. “Essa característica é importante por ser mais bem adequada para fins experimentais, embora seja mais trabalhoso implementar uma máquina de feixe contínuo, muito mais complexa que uma pulsada.”
O feixe de elétrons na interação com um alvo-radiador, que é um material normalmente metálico colocado dentro da tubulação antes do material a ser analisado, produz fótons, partículas elementares de luz, com energia suficiente para investigar a estrutura nuclear de forma independente dos processos da interação que ocorrem entre prótons e nêutrons, o que garante uma nova ferramenta para o estudo do núcleo dos átomos. A colisão dos elétrons contra esse alvo-radiador também gera raios X e gama que são radiações penetrantes usadas em vários tipos de análise, inclusive as nucleares. “A interação do feixe de elétrons com uma amostra arranca elétrons da camada interna desse material e o preenchimento do buraco por outro elétron do átomo produz raios X. Pode acontecer também o efeito de bremsstrahlung, que é a radiação de freamento repentino dos elétrons pelo núcleo do átomo, fenômeno no qual se baseia a produção dos raios X nos aparelhos de uso médico. Esses processos, mais a radiação óptica de transição, que é a luz gerada pelo elétron quando ele deixa o vácuo por onde transita para ingressar em um meio material, estão sendo estudados em nossos primeiros experimentos com o acelerador.”
O projeto do novo acelerador começou a tomar corpo por meio de um acordo com o IF da USP e o Laboratório Nacional Los Alamos, dos Estados Unidos, que forneceu um projeto para a construção das estruturas aceleradoras do mícrotron no início dos anos 1990. O instituto norte-americano também estava construindo um acelerador desse tipo de maior energia que chegou a funcionar, mas mostrou-se instável e foi desativado. “Nós queríamos trabalhar com energias mais baixas e o professor Jiro Takahashi [do próprio IF da USP] redesenhou o projeto e construiu as estruturas aceleradoras”, diz Vanin. No início do projeto e construção do acelerador, a coordenação dos trabalhos esteve com o professor Marcos Martins, que atualmente é diretor de pesquisa e desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). “Todos os componentes do mícrotron foram construídos com tecnologia nacional, comprados de indústrias brasileiras, com exceção da válvula Klystron, que amplifica micro-ondas, e alguns acessórios. Ao construir a máquina nós ganhamos o domínio das condições experimentais, conhecemos os limites e as possibilidades de todos os componentes, além de a manutenção ser feita por nós e sabermos se as mudanças serão fáceis ou difíceis, caras ou baratas.”
Parceiros da usinagem – Alguns componentes, como as câmaras de vácuo de um equipamento chamado de booster, ao longo do mícrotron, foram usinados pelo Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. É no interior dessas câmaras, colocadas dentro de eletroímãs, que o feixe de elétrons dá voltas para repassar numa estrutura aceleradora e ganhar velocidade. Outra contribuição veio do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), que usinou os canais por onde passa a água de refrigeração das estruturas aceleradoras. A máquina, neste estágio inicial, possui seis metros de comprimento para condicionamento dos elétrons e alguns metros quadrados para o booster.
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