Estufa natural

Alterações do clima devem afetar a composição das florestas tropicais

© fabio Colombini
Jatobá: prejudicado pelo excesso de carbono

Se a concentração de dióxido de carbono (CO2), principal gás do efeito estufa, continuar subindo, o perfil das árvores que compõem as florestas tropicais poderá se alterar significativamente nas próximas décadas. Estudos coordenados por Carlos Alberto Martinez, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, sugerem que as espécies arbóreas classificadas como pioneiras – as primeiras a ocupar uma área aberta, pois nascem e crescem rápido – poderão ser as dominantes nas matas se os níveis do gás dobrarem ou mesmo se elevarem em 50%. A vantagem competitiva tem uma explicação: mesmo com taxas altas de dióxido de carbono, esse tipo de árvore faz fotossíntese em níveis adequados. Já as árvores de crescimento mais lento se desenvolvem menos em ambientes com CO2 acima de determinado nível.

Martinez comparou a resposta de quatro espécies de árvores – duas pioneiras, a embaúva (Cecropia pachystachya) e a urucurana (Croton urucurana), e duas não pioneiras, o jequitibá-rosa (Cariniana legalis) e o guarantã (Essenbeckia leiocarpa) – em cenários com três concentrações de CO2: 360 partes por milhão (ppm), nível pouco abaixo do atual; 540 ppm, 50% maior; e 720 ppm (taxa prevista para 2070 se as emissões não recuarem). As amostras das espécies foram postas em câmaras em que o CO2 é injetado e o nível do gás é monitorado para evitar oscilações indesejadas.

Publicado em 2008 no livro Photosynthesis: energy from the Sun, o resultado do experimento mostrou que as pioneiras, em qualquer cenário, conseguiram aumentar a fotossíntese. “São plantas que levam de 10 a 15 anos para chegar à fase adulta e possuem o que chamamos de dreno forte, o caule, elemento capaz de absorver e acumular taxas extras de CO2”, explica Martinez. “Isso garante seu desenvolvimento acelerado.”

Nas não pioneiras a resposta foi bem distinta. As plantas desse grupo só aproveitavam bem o CO2 na fotossíntese até a concentração de 540 ppm. Acima desse índice, e até atingir as 720 ppm, foi registrada queda de até 50% na capacidade de aproveitar o gás extra, quando comparado com o cenário de controle (360 ppm). “As não pioneiras precisam de entre 50 e 100 anos para atingir a maturidade e sua longevidade fica entre 100 e mil anos. No início do crescimento o caule das não pioneiras é pouco preparado para acumular esse CO2 a mais”, afirma o pesquisador. “Parece existir um limite de saturação, acima do qual a espécie não consegue mais responder positivamente e a capacidade de fotossíntese começa a cair.” Martinez ensaia uma explicação para o pior desempenho do jequitibá-rosa e do guarantã num ambiente rico em gás carbônico: a possível acumulação de carboidratos nos cloroplastos, a usina de energia das células vegetais, nas espécies não pioneiras poderia ser responsável por um decréscimo nas taxas da enzima rubisco, fundamental para a fixação e a assimilação do carbono.

Mas a presença exagerada de dióxido de carbono não é a única variável a ser considerada quando se analisam os possíveis impactos das mudanças climáticas sobre as plantas. É preciso também avaliar outros fatores de estresse, como luminosidade, variação de temperatura e nutrientes do solo. Martinez então sofisticou um pouco mais suas análises. Cruzou variáveis e mostrou que, quando cultivadas em solo pobre em nutrientes a uma concentração de até 720 ppm de CO2, as pioneiras perdem cerca de 40% da capacidade de absorver o gás disponível para fotossíntese. Nessas mesmas condições o decréscimo nas não pioneiras é de 60%. Ou seja, ainda assim o primeiro grupo de árvores leva vantagem em relação ao segundo. Num artigo científico a ser publicado em janeiro de 2011 na Environmental and Experimental Botany, o pesquisador da USP mostrou que as pioneiras também toleram melhor situações de alta luminosidade, outro fator de estresse que pode ser exacerbado pelas mudanças climáticas.

Teste realista - Para Martinez, as diferentes variáveis envolvidas no fenômeno do aquecimento global devem ser avaliadas em conjunto, e não isoladamente, para que as condições reais das florestas possam ser replicadas com o máximo rigor possível. “Caso esses resultados se mantenham em ambiente natural, as plantas pioneiras seriam mais competitivas num possível cenário futuro de aquecimento global e de concentração de CO2 acima de 540 ppm”, analisa o pesquisador. “Essa parece ser uma tendência, que precisa ser confirmada por estudos mais amplos, envolvendo outras espécies e famílias de vegetais.” Em breve, o pesquisador da USP deverá estudar o que ocorre com as plantas quando, além de entrarem em contato com o CO2 extra, são expostas também ao aumento de temperatura. Martinez é incisivo: é preciso conhecer as vantagens comparativas das plantas para enfrentar um cenário que será certamente adverso.

(Fasesp - Francisco Bicudo)

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