© Thiago cipriano/UFabc/lme-lnls
Nanofloresta: tubos de pé em eletrodo
Montar, peça por peça, minúsculos tubos da espessura de um fio de cabelo dividido dezenas de milhares de vezes é o jogo que ocupa a equipe do químico Wendel Alves, da Universidade Federal do ABC (UFABC), e lhe permite desvendar as condições ideais para produzir esses nanotubos e controlar suas propriedades. Pode parecer ficção científica, mas é verdade. E passa longe de ser um brinquedo sem utilidade: a ideia é, no futuro, criar biossensores e geradores de energia em miniatura.
Integrado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Bioanalítica, coordenado pelo químico Lauro Kubota, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o laboratório recém-montado, que o grupo de Alves reparte com as equipes de outros três docentes, está pronto para o desafio. Mesmo assim algumas moléculas são pequenas demais para serem manipuladas na realidade, mesmo num avançado laboratório de química; nesse caso, os estudos teóricos ficam a cargo do físico Alexandre Reily Rocha, também professor da UFABC, a universidade ainda em processo de instalação em Santo André, na Grande São Paulo. “No computador eu posso pôr uma molécula de cada vez dentro do nanotubo e estudar, por meio de modelos de simulação, o que acontece”, explica.
Os nanotubos de Alves são formados por aminoácidos, que são as unidades que compõem as proteínas e suas subpartes, os peptídeos. Ao contrário dos nanotubos de carbono, já bem comuns em laboratórios pelo mundo afora e que para se formarem exigem condições de trabalho específicas como temperaturas muito altas e uma corrente elétrica intensa, os de peptídeos ainda são novidade no Brasil, segundo o químico da UFABC. E uma novidade promissora.
“Os nanotubos de peptídeos são mais baratos e mais rápidos de produzir”, resume. Na verdade, eles se formam espontaneamente. Basta dissolver os peptídeos num tubo de ensaio que eles se organizam formando inúmeros tubos. A equipe paulista mostrou, em artigo que será publicado em setembro no Journal of Materials Science, que para a formação dos nanotubos obtidos por eles é preciso usar, nas condições certas, uma série de peças feitas com um tipo específico de aminoácido: a fenilalanina, que se agrega em duplas formando o peptídeo difenilalanina.
Depois de formada uma suspensão do material, o pesquisador vê aparecer um sólido branco no tubo de ensaio. A olho nu não passa disso, mas recursos de alta tecnologia como difração de raios X, espectroscopia e microscopia eletrônica de varredura ajudam a caracterizar os nanotubos, no princípio dispostos de forma aleatória. Felizmente não é preciso um nanopente para desembaraçá-los: basta ressuspender o sólido em água que os tubos se auto-organizam. A disposição varia conforme as condições de pressão, temperatura, pH e o solvente. Podem ficar de pé, como uma nanofloresta, ou deitados como espaguete num prato.
Alves está estudando como os parâmetros afetam a disposição dos nanotubos para que possa, no futuro, controlar essa organização – que influencia as suas propriedades – conforme o uso que pretende. De maneira geral, a ideia é aprisionar enzimas dentro de nanotubos aderidos a um eletrodo, para usá-los como biossensores. Uma enzima que se liga a moléculas de glicose, por exemplo, pode estar no âmago de um minúsculo sensor para diabéticos. Ao aderir às enzimas, as moléculas de glicose alteram a variação da corrente em relação ao tempo, permitindo medir o teor de glicose da amostra.
O grupo de químicos da UFABC já conseguiu aprisionar em nanotubos o sítio ativo de uma enzima, a microperoxidase 11, que contém ferro e torna vermelho, a olho nu, o pó branco dos nanotubos. O trabalho, relatado no artigo do Journal of Materials Science, é parte do mestrado de Thiago Cipriano e demonstra que esses nanotubos cedem elétrons ao peróxido de hidrogênio e o transformam em água, um tipo de reação conhecida como redução.
Agora Alves busca produzir sistemas de nanotubos com base em modelos biológicos que sejam capazes de retirar elétrons do oxigênio em temperatura ambiente, gerando eletricidade. “É isso que se busca em células a combustível”, explica. Junto com a estudante de mestrado Iorquirene Matos, ele montou nanotubos de peptídeo com uma estrutura de quatro íons de cobre que, de acordo com artigo na Electrochimica Acta de julho, de fato conseguem realizar essa redução.
Realidade virtual - Em simulações, Alexandre Rocha estuda como melhorar a condução de eletricidade pelos nanotubos de peptídeos, isolantes por natureza. O trabalho indica que partículas de ouro e de cobre podem ser aderidas aos tubos, produzindo sensores mais precisos – um efeito já confirmado pelos químicos.
Outro aspecto dissecado pelo físico é a influência da água nas propriedades dos nanotubos. Apesar de quase onipresente no planeta, a água ainda reserva muitos segredos à ciência. A dupla da UFABC já verificou, com base tanto nas simulações como nas imagens por raios X, que as moléculas de água aderem ao interior do tubo formando uma hélice – mas uma hélice imperfeita, não completamente regular.
Ao acrescentar uma molécula de cada vez no ambiente virtual, Rocha conseguiu caracterizar como as moléculas de água se conectam, por meio de ligações de hidrogênio, aos aminoácidos que compõem os tubos. A estrutura é tão estável que, mesmo próximo da temperatura ambiente, os pesquisadores se referem àquela água como gelo. Para que evapore, não bastam 100 graus Celsius (oC): são precisos 150oC para retirar a água dos nanotubos. O passo seguinte são as análises físico-químicas, para definir como a água afeta as propriedades dos nanotubos.
O químico reúne esses achados para montar (em pensamento) um sistema que ele admite – este sim – ainda ser ficção científica: um biossensor acoplado a uma biocélula de eletricidade, tudo nanométrico, de maneira que diabéticos poderiam implantar no pâncreas um aparelho capaz de medir níveis de glicose e liberar insulina quando necessário. Tudo isso alimentado por uma biocélula como fonte de energia. Em teoria, também deve ser possível usar essas biocélulas para alimentar marcapassos, hoje implantados em pacientes cardíacos com pequenas baterias.
> Artigos científicos
1. CIPRIANO, T.C. et al. Spatial organization of peptide nanotubes for electrochemical devices. Journal of Materials Science. v. 45, n. 18, p. 5.101-08. 2010.
2. MATOS, I.O. et al. Approaches for multicopper oxidases in the design of electrochemical sensors for analytical applications. Electrochimica Acta. v. 55, n. 18, p. 5.223-29. 2010.
(Fasesp)
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