Um quebra-cabeça em construção

Proteínas aprofundam noção da esquizofrenia como doença biológica. A esquizofrenia não é novidade para quem assiste à novela Caminho das Índias, exibida pela TV Globo entre janeiro e setembro de 2009. Tarso, representado por Bruno Gagliasso, ouve vozes, acredita que lhe implantaram um chip debaixo da pele para roubar seus pensamentos, imagina que vai se dissolver e se descontrola em crises violentas.

Os sinais que apresenta formam um quadro completo típico dessa doença que atinge uma em cada 100 pessoas – estima-se que sejam cerca de 1,8 milhão no Brasil. O biólogo Daniel Martins-de-Souza, agora pesquisador de pós-doutorado no Instituto Max Planck para Psiquiatria, na Alemanha, identificou uma série de proteínas envolvidas nos mecanismos bioquímicos da esquizofrenia que vêm ajudando a entender os detalhes de como ela causa todos esses sintomas.

Durante o doutorado no Departamento de Bioquímica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Souza examinou as proteínas produzidas no cérebro de sete pessoas saudáveis e de nove com esquizofrenia. “Cada região cerebral expressa milhares de proteínas diferentes”, conta. “Nós conseguimos reduzir para poucas dezenas as relacionadas à doença.” São proteínas que aparecem em quantidade alterada nos cérebros dos pacientes e podem dar pistas importantes sobre como a esquizofrenia surge e se manifesta. O trabalho foi orientado pelo biólogo Emmanuel Dias Neto, do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria (IPq), parte do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e teve apoio financeiro da FAPESP e da Associação Beneficente Alzira Denise Hertzog da Silva (Abadhs).

Em busca dos estragos que a esquizofrenia causa no cérebro, Souza selecionou regiões que já se sabia relacionadas à doen­ça: o córtex pré-frontal, responsável por certos tipos de memória, diferenciação de pensamentos contraditórios, determinação dos conceitos de certo e errado, comportamento social e expressão da personalidade; a área de Wernicke, uma porção do córtex ligada à fala, à linguagem e à comunicação; e o lobo temporal, que participa de processos cognitivos e afetivos. Essa distribuição de zonas afetadas dá uma dimensão da complexidade da esquizofrenia, palavra que significa cisão da mente.

Vários grupos de pesquisa no mundo todo têm se concentrado em analisar alterações genéticas associadas à doença, mas Souza defende o foco nas proteínas, o produto desses genes alterados. “Elas são os jogadores reais que agem no organismo”, justifica, já que um gene mais ativo não necessariamente se traduz numa concentração maior da proteína cuja produção ele comanda. “Confirmamos achados prévios e acrescentamos proteínas que ainda não tinham sido consideradas.” Este ano, os resultados já renderam quatro artigos científicos. Ele agora se concentra em algumas dessas moléculas alteradas para ver como elas participam do desenvolvimento da doença.


(Maria Guimarães - Fasesp)

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