Neurônios sintonizados

Estudo publicado na "PNAS" indica que neurônios espalhados em áreas distintas do cérebro entram em sintonia em determinadas frequências para atuar em conjunto e realizar atividades complexas

Na hora de realizar tarefas complexas, há algo a mais de que o cérebro precisa: ritmo. Segundo estudo feito na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, ritmos corticais fazem com que grupos de neurônios espalhados por diversas regiões do cérebro sejam convocados para realizar uma atividade coordenada, como se fossem um regente conduzindo as várias seções de uma orquestra.

O estudo será publicado esta semana no site e sairá em breve na edição impressa da revista "Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)".

Os atos mais simples, como abaixar para apanhar uma folha de papel, exigem uma coordenação notável de múltiplos grupos de neurônios, de modo a perceber o objeto, a distância que ele se encontra, quando usar os músculos necessários para abaixar, esticar o braço, agarrar a folha e assim por diante.

Os neurocientistas ainda não sabem bem como esses grupos de células cerebrais dispersas em regiões diferentes e distantes umas das outras se ligam entre si de modo que tarefas simples ou complexas possam ser realizadas.

"Um dos principais problemas atuais da neurociência é compreender como saímos de bilhões de neurônios distintos e independentes, de um lado, para, do outro, um cérebro unificado capaz de atuar em um mundo complexo", disse Jose Carmena, professor assistente do Departamento de Engenharia e Ciências da Computação, um dos autores do estudo.

A ideia de grupos de neurônios anatomicamente dispersos mas funcionalmente relacionados foi descrita pela primeira vez pelo neurocientista canadense Donald Hebb, em 1949, no livro The Organization of Behavior.

"Ele basicamente disse que neurônios isolados não são as unidades mais importantes na operação cerebral e que o que realmente importa é a montagem das células", disse Ryan Canolty, outro autor do estudo.

Hoje se sabe que grupos de neurônios não apenas precisam trabalhar em conjunto para a realização de uma determinada tarefa, mas que esses grupos têm que unir forças com outros, em partes distintas do cérebro, como em regiões responsáveis pela cognição e pelo controle dos movimentos do corpo.

Os neurocientistas em Berkeley analisaram registros compilados durante quatro anos de quatro macacos. Dois deles estiveram engajados em atividades de interface cérebro-máquina e os outros participaram em tarefas que envolviam a memória funcional.

Foram analisados como os momentos de picos elétricos - ou potenciais de ação - emitidos pelas células nervosas estiveram relacionados com ritmos que ocorriam em múltiplas áreas do cérebro.

Os pesquisadores identificaram o surgimento de padrões de "sintonia". Os momentos de picos elétricos nos neurônios individuais se mostraram sincronizados com ritmos cerebrais que ocorriam em faixas de frequência distintas em outras regiões do cérebro.

Por exemplo, a faixa de 25 a 40 hertz (ciclos por segundo) se mostrou especialmente importante para as áreas envolvidas em controle motor e em planejamento.

"Se os neurônios se importassem apenas com o que ocorre em seu ambiente local, seria difícil fazer com que trabalhassem em conjunto caso estivessem em diferentes áreas corticais. Mas quando múltiplos neurônios, espalhados por todo o cérebro, são sintonizados em um padrão de atividade elétrica em uma frequência específica, então sempre que o padrão de atividade global ocorrer esses neurônios podem atuar em um agrupamento coordenado", disse Canolty.

Segundo os autores do estudo, entender melhor como funcionam as relações locais e globais das atividades cerebrais poderá ser muito útil para o desenvolvimento de estratégias que regulem o funcionamento incorreto de redes cerebrais por meio da estimulação elétrica e também para a melhoria na pesquisa de interfaces cérebro-máquina.

O artigo "Oscillatory phase coupling coordinates anatomically dispersed functional cell assemblies" (doi/10.1073/pnas.1000948107), de Jose M. Carmena e outros, pode ser lido por assinantes da "PNAS" em www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1008306107.

(Agência Fapesp)

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