Fóssil do Ceará vai parar em leilão feito em Paris

Réptil voador saiu ilegalmente do Brasil, afirma agência reguladora

A casa de leilões Sotheby's negociou na terça-feira (5/10), em Paris, 11 lotes de fósseis brasileiros que, de acordo com o órgão do governo federal que autoriza as extrações, saíram de forma ilegal do país.

Além de insetos, peixes e plantas, o conjunto tinha um valioso crânio completo do pterossauro Ludodactylus sibbicki, o único conhecido com cristas e dentes.

Todas as peças são da chapada do Araripe (CE), um complexo paleontológico reconhecido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

"Não há como esse material ter saído legalmente do Brasil. Nós não autorizamos", disse Walter Lins Arcoverde, diretor de fiscalização do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral).

Arcoverde está investigando como as peças saíram do Brasil. Ele enviou ofícios à Interpol (polícia internacional) e à embaixada da França pedindo esclarecimentos. O DNPM quer achar uma maneira de repatriar as peças.

Desde 1942, a lei brasileira determina que o órgão precisa autorizar a saída do país de qualquer fóssil com interesse científico.

A origem das peças brasileiras não consta no catálogo oficial do leilão e nem no site do evento. O material se resume a propagandear a "beleza única" dos fósseis.

Procurada pela reportagem da Folha, a responsável pela filial francesa da Sotheby's não se manifestou sobre a origem do acervo.

A Sotheby's no Brasil disse não ter informações específicas sobre as peças, mas afirmou que, provavelmente, elas fazem parte de alguma coleção muito antiga e, por isso, pode ser mais difícil identificar sua origem.

Para especialistas, afirmar que os fósseis foram encontrados antes da promulgação da lei é apenas uma desculpa para dar "aparência de legalidade" ao contrabando.

"O pterossauro leiloado só foi descrito na década de 1970. Ninguém teria encontrado um fóssil inédito tão bem conservado e, simplesmente, "guardado no armário" para vender 70 anos depois", disse Felipe Monteiro, mestrando da Universidade Federal do Ceará, que participa de projetos no Araripe.

Segundo Alexander Kellner, especialista em pterossauros do Museu Nacional da UFRJ, os fósseis foram encontrados na chamada formação Crato, que só começou a ser explorada muito depois da regulamentação.

'Infelizmente, a saída de fósseis é um problema antigo. O Brasil perde verdadeiros tesouros. Agora, para estudar uma espécie nacional, os pesquisadores precisam ir para o exterior", afirmou.

Segundo ele, os contrabandistas têm "certeza da impunidade" no Brasil.

"Falta fiscalização e, principalmente, faltam verbas para que os pesquisadores brasileiros desenterrem essas relíquias. Precisamos de mais incentivos."

Com valor estimado entre € 50 mil e € 70 mil (algo em torno de R$ 115 mil e R$ 161 mil), o crânio do pterossauro não aparece na lista dos itens arrematados no leilão. Outros sete fósseis brasileiros também não.

Isso, de acordo com a própria Sotheby's, não significa que eles não tenham sido comprados. De acordo com a representação no Brasil, existe a possibilidade de negociações após o leilão.

Brasil nunca recuperou fóssil no exterior

Embora haja diversos casos comprovados de contrabando de fósseis brasileiros, o país nunca conseguiu repatriar nenhum deles, de acordo com o DNPM.

"São processos muito difíceis, porque envolvem muitos componentes", afirma o diretor de fiscalização do órgão, Walter Lins Arcoverde.

Ele afirma, no entanto, que a primeira repatriação pode estar próxima. Em 2007, uma operação da polícia francesa encontrou fósseis brasileiros no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris.

"O DNPM entrou em contato, e eles reconheceram a procedência criminosa. Estamos aguardando decisão definitiva do Judiciário de lá."

Em julho, pesquisadores apresentaram o tamanho do do estrago provocado pela saída dos fósseis.

Eles descobriram que, das 41 espécies de vertebrados terrestres extintos já descobertas no Araripe, 21 têm seus holótipos (exemplares de referência) guardados em museus do exterior.

Isso significa que, para investigar um bicho que viveu no Brasil, os pesquisadores precisam se deslocar para países como Alemanha e Estados Unidos. Além disso, precisam conseguir autorização para ter acesso irrestrito ao material completo.

(Giuliana Miranda - Folha de SP)

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