Aché usa biodiversidade para lançar remédio 100% brasileiro. Eurofarma investe em pesquisa de medicamento promissor
Não é segredo para ninguém que o número de fármacos obtidos da biodiversidade brasileira pode ser contado nos dedos. Por isso, a cada novo produto os pesquisadores comemoram como sendo uma vitória para o país.
É assim que está sendo encarado o lançamento do Sintocalmy pelo Aché, indicado para o tratamento de ansiedade leve ou moderada, que contou com mais de seis anos de desenvolvimento e investimentos de R$ 4 milhões.
As pesquisas, realizadas no Brasil, conseguiram elevar o teor de princípios ativos da passiflora, planta conhecida pelo seu fruto - o maracujá - e já usada em extratos.
Agora, com o Sintocalmy, foi possível diminuir as quantidades de compostos que não influenciam a ação do produto, chegando a um extrato padronizado, mais seguro e eficaz que os concorrentes.
"Este processo é totalmente novo no mercado, o que nos garantiu a patente internacional do medicamento", explica Carlos Melo, diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) do Aché.
A intenção da empresa, após o lançamento, é explorá-lo no Brasil e no exterior. "Já estamos em fase de negociações com parceiros na América do Norte, América Latina e Ásia para exportar a estes mercados", diz Júlio Conejero, diretor da Unidade de Medicamentos Isentos de Prescrição.
Experiência nova
O Aché já tinha se destacado anteriormente com o anti-inflamatório Acheflan, considerado um dos primeiros cuja pesquisa e desenvolvimento foram feitas exclusivamente no Brasil. Para isso, a Unidade de PD&I contou com uma parceria bem-sucedida com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Ali também está sendo gestada uma experiência que deve favorecer o lançamento de novos medicamentos. Trata-se do Centro de Referência em Farmacologia Pré-Clínica, cujo objetivo é apoiar a demanda da indústria farmacêutica nacional.
Sob a direção do pesquisador João Batista Calixto, da UFSC, o centro pretende fazer a ponte entre a indústria e a universidade, cuja falta está sendo considerada um gargalo para o desenvolvimento de medicamentos gerados no Brasil.
Foi fazendo essa ponte que Calixto participou das pesquisas pré-clínicas do Acheflan e agora do Sintocalmy, desta vez como prestador de serviço. Com o centro, que deve ser inaugurado em meados do próximo ano, será possível fazer pesquisas de uma forma mais sistematizada.
"O Brasil possui um dos maiores mercados de medicamentos do mundo, e um parque industrial moderno. Mas essas indústrias ainda dependem da importação de matérias-primas de países mais desenvolvidos", diz Calixto.
Por entender o potencial dos produtos naturais brasileiros, o Aché investe em pesquisas com fitomedicamentos e sintéticos. E destina, anualmente, cerca de 10% de seu Ebitda para essa área, seja por meio de estudos próprios, seja em parcerias.
"Temos sete projetos de inovação radical e mais de 150 em outras modalidades de pesquisa", diz Melo.
Eurofarma
Este é um ano decisivo para o desenvolvimento do primeiro medicamento extraído de plantas brasileiras do laboratório Eurofarma. No meio do ano, começam os estudos fase 1, de testes clínicos em humanos do Aleurites moluccana, uma planta conhecida como nogueira-deiguape, que vem apresentando excelentes resultados como anti-inflamatório e analgésico.
Será o primeiro fitoterápico totalmente fabricado pela Eurofarma e a empresa tem grande expectativa em relação ao seu lançamento, previsto para o final de 2012. "Tudo indica que ele pode ser utilizado por longos períodos, sem produzir os efeitos colaterais mais comuns dos outros medicamentos convencionais", afirma a médica Camille Rodrigues, gerente de pesquisa clínica do laboratório.
O investimento inicial foi de R$ 2,3 milhões, dos quais 48% vieram como subsídios do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Os testes toxicológicos foram realizados em duas espécies animais, confirmando que mesmo em doses elevadas não há risco de toxicidade. Estas etapas foram cumpridas seguindo os guias internacionais e nacionais para desenvolvimento de novos medicamentos.
O produto está sendo feito em conjunto com a Universidade do Vale do Itajaí (Univali), que também detém a patente internacional e nacional que garante a exploração comercial.
Em 2009, a Eurofarma registrou crescimento de 22%, fechando o ano com faturamento de R$ 1,2 milhão. Desse total, 4% foram destinados para investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.
Segundo informou a empresa, em 2010 a Eurofarma deve aumentar esse investimento: passaria inicialmente de 5% da receita até alcançar uma parcela de 15% do faturamento em dez anos.
Processo de industrialização
O Aleurites faz parte dos projetos de pesquisa radicais, ou seja, que partem do zero. Há outros que investem em moléculas e matérias-primas já conhecidas. Segundo Camille, pesquisas radicais são complexas e significam um risco muito maior para a farmacêutica.
Recentemente, o laboratório teve que cancelar dois dos seus cinco projetos porque não demonstraram benefícios como o esperado. "Quando se trata de plantas, nem sempre as substâncias extraídas se mostram eficazes uma vez colocadas em escala industrial", afirma.
Para a gerente de pesquisas, costuma haver um descompasso entre as pesquisas feitas nas universidades e aquelas que servem à indústria.
"Muitas vezes, os cientistas ficam dez anos estudando nas bancadas e nunca avançam para o processo de industrialização", constata. Ela considera um fato positivo o nascimento de empresas incubadoras, que têm uma visão conciliadora entre a pesquisa básica e aplicada. "Sem elas, não conseguimos avançar", afirma.
(Martha San Juan França - Brasil Econômico)
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