Refúgio de micróbios no oceano


Os oceanos do planeta são como um mundo alienígena. A Administração Oceânica e Atmosférica americana (NOAA, na sigla em inglês) estima que 95% deles permanecem inexplorados. Porém, os mistérios não começam dois quilômetros abaixo da linha do mar, e sim na própria superfície.

Cientistas descobriram que a lâmina superior do oceano é, de certa forma, como uma folha de geleia. Esse estranho habitat, mais fino que um fio de cabelo humano, é lar de uma rara exibição de micróbios. “Trata-se realmente de um ecossistema distinto”, diz Oliver Wurl, do Instituto de Ciências Oceânicas do Canadá.

Essa microcamada da superfície do mar é importante, segundo os cientistas, em parte porque influencia a química do oceano e da atmosfera.“Uma das coisas mais significativas que acontecem em nosso planeta é o transporte de gases para dentro e para fora do oceano”, diz Michael Cunliffe, biólogo marinho da Universidade de Warwick, na Inglaterra. O oceano armazena uma grande fração dos gases de aquecimento global que produzimos; na microcamada, os gases são puxados para baixo. “É o oceano respirando por sua pele”, diz Cunliffe.

Quando cientistas começaram a estudar a superfície marítima, na metade do século 20, eles se depararam com inconvenientes. Um cientista não pode simplesmente mergulhar um balde no oceano sem arrastar também águas mais profundas. “Até mesmo definir a superfície é difícil, já que ela se move para cima e para baixo”, diz Peter Liss, professor de ciências ambientais na Universidade de East Anglia, na Inglaterra.

Assim, ele tiveram de inventar algumas ferramentas para filtrar a superfície. Liss e seus colegas, por exemplo, resfriam um pedaço de gelo com nitrogênio liquido e o mergulham no mar, congelando a água que entra em contato com o material. Essas ferramentas permitiram aos cientistas descobrir que o centésimo de polegada superior à água é quimicamente distinto. Ele é repleto de moléculas, carregados por bolhas de ar. Pesquisas recentes, realizadas por Wurl e colegas, revelaram que a microcamada tem um rico suprimento de grupos pegajosos de carboidratos. Esses carboidratos são formados por organismos unicelulares chamados fitoplânctons, que vivem mais no fundo do oceano para se unirem em colônias.

Eventualmente, os carboidratos quebram o fitoplâncton e se unem uns aos outros. Os estudos de Wurl indicam que muitos deles sobem até a microcamada, formando uma lâmina. “Eu os imagino como minúsculos pedaços de geleia flutuando no oceano”, disse Wurl.Resistência inesperada - Pode ser difícil imaginar uma cobertura tão fina de limo se mantendo unida por muito tempo sobre um agitado oceano. Wurl, entretanto, descobriu que ela é bastante resistente. “Coletamos amostras da microcamada em condições de vento de aproximadamente 30 km/h. Isso nos diz que a microcamada é bastante estável.”Wurl e seus colegas relatam as descobertas num artigo a ser publicado no jornal “Marine Chemistry”.

Para documentar o tipo de micróbios que vivem na microcamada, Cunliffe e outros pesquisadores estão coletando águas superficiais, “abrindo” as células ali contidas e sequenciando seus genes. Eles comparam os residentes da microcamada aos micróbios que vivem algumas polegadas abaixo. “Estamos encontrando comunidades consistentemente diferentes”, afirma Cunliffe. As comunidades da microcamada são dominadas por grupos de micróbios conhecidos por formar biofilmes em superfícies mais familiares, como rochas em rios, nos nossos dentes e na parte interna de canos de esgoto.

“Eles sempre são os primeiros suspeitos”, continua Cunliffe. “Se nossa hipótese estiver correta, isso faz total sentido.”Liss considera a descoberta “um resultado muito interessante, pois mostra que a microcamada é um ambiente realmente distinto”.Filtro natural - Cientistas dizem que é importante saber mais sobre essa misteriosa camada oceânica, pois ela pode desempenhar um papel crucial no bem-estar ambiental do planeta. Estudos demonstraram, por exemplo, que poluentes, como os pesticidas, podem estar presos na microcamada.Cunliffe e seus colegas identificaram bactérias que devoram importantes compostos químicos, como metano e monóxido de carbono.

A microcamada também é crucial à habilidade do oceano de absorver dióxido de carbono, um poderoso gás-estufa. “Ela está, na verdade, sugando o dióxido de carbono para dentro da coluna de água”, diz Cunliffe. Liss diz que a microcamada é “claramente importante, pois é onde o oceano e a atmosfera interagem”. “Mas é também algo difícil de estudar”, acrescenta, “e por isso, ainda não recebeu a atenção que deveria”.

(Fonte: G1)

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