A força dos ventos


Capacidade instalada dos parques eólicos cearenses passou de 17,45 megawatts para 121,83 megawatts, enquanto em todo o país a evolução foi de 247 para 403 megawatts.
Chico Santos escreve para o "Valor Econômico":

Cumbuco é uma praiazinha do Ceará, perto de Fortaleza. Não é um paraíso, mas é muito simpática. O mar de um lado, dunas e lagoas do outro, coqueiros, passeios de bugre... Sem as clássicas superbarracas cearenses tocando axé das 8h às 18 horas seria ainda melhor. À noite, nos restaurantes do povoado, grupos jovens bronzeados falam inglês, espanhol, francês, sueco... até português.

Qual o segredo da cosmopolita Cumbuco? Um vento forte e persistente, que faz do lugar um dos destinos favoritos dos praticantes do kitesurf, o esporte dos que voam sobre as águas puxados por uma espécie de pipa gigante.

O mesmo vento, que está fazendo do Ceará uma das mecas brasileiras da energia eólica, é a alternativa que os europeus escolheram para aumentar seu suprimento de energia limpa e renovável, na qual os americanos também mergulham cada vez mais.

De 2007 até o dado mais recente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a capacidade instalada dos parques eólicos cearenses passou de 17,45 megawatts para 121,83 megawatts, enquanto em todo o país a evolução foi de 247 para 403 megawatts.

Um estudo novíssimo do BNDES, assinado pelos economistas Rafael Alves da Costa, Bruna Pretti Casotti e Rodrigo Luiz Sias de Azevedo, do departamento de indústria pesada, pinta um retrato minucioso da atual situação da indústria de geração de energia elétrica a partir dos ventos no mundo e no Brasil.

O trabalho mostra ainda que o foco mundial neste segmento representa uma ampla janela de oportunidade para o desenvolvimento da indústria brasileira de bens sob encomenda, seja para atender ao mercado doméstico, seja para suprir a demanda internacional que, neste momento, corre à frente da capacidade instalada.

O panorama mundial levantado pelos pesquisadores do BNDES traz números impressionantes. Em 2007, a geração eólica representou 40% de todo incremento da oferta de energia elétrica na Europa. Da capacidade instalada de 129,8 mil megawatts existente no mundo no final do ano passado, a Europa detinha mais da metade, 65,9 mil megawatts.

Sob forte pressão social contra as emissões de gases causadores do efeito estufa pelas fontes geradoras de energia térmica, os europeus saíram na frente, comandados pela Alemanha. No ano passado, os EUA aumentaram em 8,4 mil megawatts a potência instalada, alcançando 25,2 mil megawatts e deixando os 23,9 mil dos alemães em segundo lugar.

A China, pressionada por níveis quase insuportáveis de poluição atmosférica, mas disposta a garantir a manutenção da irresistível escalada industrial, mais que dobrou a geração eólica em 2008. Chegou a 12,2 mil megawatts, tomando da Índia a liderança asiática.

Quando se mede a geração eólica na matriz elétrica total, os europeus ganham fácil. Na Dinamarca, ela já responde por quase 25%. Na Espanha, na Alemanha e em Portugal está perto dos 10%. Já nos Estados Unidos, ainda ronda a casa de 1%.

O Brasil lidera a geração na América Latina e Caribe, região cuja potência instalada em 2008 (625 megawatts) não passava de 0,5% da mundial. É verdade que, graças ao Proinfa, o programa do governo para incentivar a produção de energia elétrica de fontes renováveis, a capacidade brasileira saltou de irrisórios 29 megawatts, em 2005, para os atuais 403 megawatts, ainda assim menos de 0,5% da geração elétrica total do país.

O salto teria sido maior se os 1.423 megawatts contratados no âmbito do Proinfa, para instalação de 2006 a 2008, tivessem se concretizado. Suspeita-se que uma parte dos projetos não eram mesmo para serem feitos, mas para serem revendidos com lucro. Sem sucesso nos leilões de energia livre, a opção eólica ficou carente de um teste para medir sua real potencialidade no país.

O primeiro leilão para contratar especificamente energia eólica, marcado para 25 de novembro, nasceu com esse objetivo. As inscrições superaram as expectativas. Nada menos do que 13,3 mil megawatts, ofertados por 441 projetos, se habilitaram. Contratos de 20 anos e alíquota zero de IPI para equipamentos nacionais fazem parte do pacote que justificou tamanha atratividade.

"O Proinfa foi o pontapé inicial. O leilão pode dar força e perenidade ao mercado", avalia Rafael Alves. Os técnicos do BNDES entendem que esta é a hora certa para a indústria brasileira aproveitar os bons ventos, como já fazem europeus, americanos e asiáticos. Chamam a atenção para o fato de que na Alemanha o complexo industrial em torno da energia eólica já emprega mais gente do que a indústria automobilística.

Em 2007, a indústria eólica alemã faturou € 6,5 bilhões, 70% com exportações. Na Dinamarca, são 180 empresas, empregando 20 mil pessoas e movimentando US$ 4,4 bilhões por ano. A dinamarquesa Vestes lidera o ranking mundial de fabricantes de aerogeradores, seguida da americana GE Wind, da espanhola Gamesa e da alemã Enercon.

No Brasil, até o ano passado existia apenas a Wobben Windpower, subsidiária da Enercon. No ano passado, o grupo argentino IMPSA instalou aqui uma planta com o nome de Wind Power Energy (WPE). A nacional Tecsis é grande produtora de hélices eólicas para exportação. O possível sucesso do leilão de novembro, anteveem os técnicos do BNDES, pode rapidamente atrair para cá novos fabricantes estrangeiros e estimular o surgimento de outros de capital nacional.

Energia limpa, com enorme potencial e poucas restrições relevantes à sua produção, a geração eólica enfrenta duas sérias limitações. Uma delas é o preço alto, que pode cair com o aumento da produção e o desenvolvimento técnico.

A segunda, mais complexa, é a inconstância e baixa previsibilidade dos ventos. Segundo o estudo do BNDES, na Alemanha a geração eólica efetiva em relação à capacidade instalada fica entre 20% a 30%.

Daí não serem triviais os alertas de técnicos respeitados quanto ao planejamento adequado do seu desenvolvimento no Brasil, país que possui uma matriz elétrica centrada em outra fonte volátil e limitada por dificuldades crescentes para seu armazenamento, a hidreletricidade. O kitesurfista pode esperar as melhores lufadas. O abastecimento elétrico, nem sempre.

(Valor Econômico, 6/8)

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