Apertando apenas uma tecla, Andrea Stocco aciona o canhão de seu jogo no computador e destrói um foguete que vinha pelo céu. O videogame não tem nada de fantástico e parece uma relíquia dos anos 1980. O que o faz diferente é o fato de que jogador, no caso o pesquisador da Universidade de Washington, não consegue ver o jogo.
A pessoa que consegue ver o jogo, o colega cientista Rajesh Rao, está sentado do outro lado do campus olhando para uma tela. Ele usa uma touca com cabos acoplados. Sem mover um músculo ou usar qualquer equipamento de comunicação, Rao diz a seu colega o exato momento de disparar o canhão.
Para isso, Rao usou apenas o poder da mente. No momento exato, ele apenas imaginou disparar o canhão. A ordem foi então enviada por meio da internet a Stocco, que usando uma touca de natação e fones de ouvido especiais que impedem a passagem de qualquer som, apertou involuntariamente a tecla de espaço com o dedo indicador.
Voldemort – A cena narrada acima pode ser o primeiro caso documentado de “controle da mente” à distância entre dois humanos. Até agora, tratava-se de um conceito apenas teórico, mais próximo à ficção científica. Os fãs de Harry Potter vão fazer relações com o malvado Voldemort e seu feitiço “Impérius”, quando manipula a mente de terceiros.
Stocco diz que a internet, além de conectar computadores em rede, “agora pode ser a forma de conectar cérebros”. Rao diz que foi “empolgante” ver uma ação imaginada no seu cérebro sendo transformada em ação por outra mente. “O próximo passo é chegar a uma conversa bilateral entre os dois cérebros”.
Atividade cerebral – Já existem hoje vários programas para controlar o computador por impulsos cerebrais. A Samsung, por exemplo, está desenvolvendo um tablet controlado pela mente. Já a empresa Interaxon está comercializando uma “bandana com sensor cerebral” que tem como objetivo controlar equipamentos com o poder da mente. A tecnologia foi desenvolvida pensando em pessoas com deficiências.
A tecnologia usada no experimento é em parte conhecida. A técnica usada para enviar as mensagens cerebrais de Rao para Stocco é chamada de eletroencefalografia e já é utilizada para medir a atividade cerebral das pessoas. O estímulo magnético que fez o dedo de Stocco se mover também é conhecido.
A novidade é que ninguém havia juntado as duas técnicas anteriormente.
‘Trivial’ – Os pesquisadores dizem saber que o experimento é “básico” em termos de conceito. Para Daniel H. Wilson, PhD em robótica e autor do elogiado livro de ficção científica Robocalypse, o experimento dos dois cientistas foi uma “prova de conceito”.
“Ele lançou uma discussão sobre como o contato entre cérebros pode ter impacto na sociedade no futuro”, diz. “Ainda que o experimento seja limitado, ele certamente nos fará pensar a respeito”, disse.
Mas nem todos ficaram impressionados.
Ian Pearson, futurologista com experiência em engenharia, compara o experimento à performance do artista australiano Sterlac, que há 15 anos deixou que o público controlasse o movimento de seus membros a partir de estímulos enviados pela internet.
“Um sistema de controle de reconhecimento do pensamento é trivial”, disse. “Se eles tivessem tirado o pensamento de uma pessoa e recriado esse pensamento em outra, aí eu estaria impressionado”, disse.
Perigo – Entre os cientistas, há um consenso maior sobre o impacto que desenvolvimentos futuros nessa área de pesquisa possam ter na forma como as pessoas se comunicam e cooperam entre si.
Stocco diz que um dia essa tecnologia poderá permitir, por exemplo, que um passageiro assuma o controle de um avião caso o piloto fique incapacitado com ajuda de outro piloto ou especialista sentado em outro lugar.
Pearson cita como exemplo a elaboração de projetos complexos que necessitam do envolvimento de profissionais de diversas áreas.
“Digamos que você esteja projetando um prédio com engenheiros, arquitetos e artistas”. “Mesmo estando a quilômetros de distância, o artista pode apresentar uma ideia e o engenheiro pode refiná-la ou contestá-la. Trabalhando juntos, eles podem desenvolver algo complexo, bem rápido”.
Ele acha que “em 30 ou 40 anos” esse cenário pode se tornar realidade, com a utilização de nanotecnologia inserida diretamente no cérebro.
É claro que todo o conceito de controle mental acaba sendo ofuscado pela possibilidade de mau uso da tecnologia. Daniel H. Wilson, entretanto, diz não ver “nada inerentemente perigoso no crescimento da comunicação entre seres humanos”.
“Os intrincados requisitos técnicos do estímulo magnético transcraniano fazem com que seja improvável o controle da mente sem que saiba”, diz.
Chantal Prat, professor assistente de psicologia na Universidade de Washington, trabalhou na pesquisa e concorda com essa análise.
“Acho que algumas pessoas se preocupam porque estão superestimando a tecnologia”, diz.
(Fonte: Terra)