Pesquisa sobre sexualidade revela preconceitos

Para 26% dos jovens, mulher que se veste de modo insinuante não pode reclamar de violência sexual.




Uma pesquisa sobre sexualidade com jovens de 18 a 29 anos revela preconceitos e aponta caminhos para que famílias, escolas e governos lidem melhor com a educação sexual dos brasileiros. De 1.208 entrevistados em 15 estados e no Distrito Federal, 26% disseram concordar total ou parcialmente com a afirmação de que mulheres que se vestem de forma insinuante não podem reclamar se sofrerem violência sexual. Nessa questão, menos da metade - 47,35% - marcou a opção "discordo totalmente".

A pesquisa foi feita entre 2011 e 2012 e tem representatividade nacional. Os entrevistados responderam a um questionário em que deviam posicionar-se sobre 15 itens. Pouco mais da metade concordou totalmente com a afirmação de que adolescentes e jovens têm o direito de decidir quando transar pela primeira vez. E 68% assinalaram essa mesma opção diante da frase que dizia que o jovem tem o direito de decidir com quem manter relações sexuais. Ou seja, quase um terço dos entrevistados não acredita ter esse direito ou não marcou essa opção.

Dos 1.208 entrevistados, 55% eram mulheres e 53% viviam em famílias com renda mensal de até três salários mínimos. São jovens que nasceram entre os últimos anos da ditadura militar e o período pós-Constituição de 1988.

Para a advogada feminista Valéria Pandjiarjian, o machismo é uma característica arraigada e secular na sociedade brasileira, cuja transformação é um processo gradual. Ela diz que não chegou a se surpreender com o fato de que 26% dos entrevistados tenham concordado com a ideia de que mulheres que vestem de forma insinuante não poderiam sequer reclamar de violência sexual.

- É um absurdo. Seja você quem for, faça o que fizer, vista-se como se vestir, você tem o direito de reclamar se sofrer uma violência sexual. A relação sexual é algo que depende do consentimento, do desejo e da vontade das pessoas - diz Valéria, que integra o Comitê Latinoamericano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher.

Pouco mais de um terço dos entrevistados - 38% - disse concordar total ou parcialmente com a ideia de que o homem precisa mais de sexo do que a mulher.

De acordo com o perfil dos entrevistados, todos na faixa de 18 a 29 anos, 9% afirmaram ser virgens, enquanto 90% disseram já ter feito sexo, a maioria quando tinha entre 14 e 18 anos. Com relação à tolerância no que diz respeito à orientação sexual, 67,7% disseram não ver absolutamente nenhum problema em ter um amigo gay ou uma amiga lésbica, percentual que sobe para 69%, no caso de tratar-se der um professor ou professora homossexual. Esse índice, porém, cai para 50%, quando a pesquisa indaga sobre como o entrevistado se sentiria se descobrisse que a irmão ou o irmão é gay. A maioria deles (51%) mostrou-se favorável à adoção de crianças por casais homossexuais.

A pesquisa foi realizada pela consultoria John Snow do Brasil, com apoio do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), sob encomenda da Caixa Seguros, uma empresa privada que desenvolve projetos sociais no Distrito Federal e tem a Caixa Econômica Federal como sócia minoritária.

A maioria dos jovens concordou com a ideia de que a escola deve tratar de educação sexual. Quase 35% apontaram a mãe como a pessoa mais procurada para buscar amparo e tratar de problemas pessoais. O pai aparece em sexto lugar, citado apenas por 6,5% dos entrevistados, atrás da figura materna, dos amigos, parceiros, irmãos e ninguém.

- Nunca na minha casa se falou de sexo. O que eu sei, eu aprendi com amigos - diz Lucas Kennedy Rodrigues, de 21 anos.

Lucas participa do projeto Jovem de Expressão, iniciativa da Caixa Seguros que atende 380 pessoas no DF. Em meio a oficinas de fotografia e dança, o programa promove terapia em grupo sobre temas como sexualidade e prevenção de doenças.

A pesquisa concluiu que alguns fatores contribuem para o jovem ter uma concepção mais equitativa sobre a sexualidade, isto é, ser mais tolerante com a opção sexual alheia, com maior atenção à prática de seguro e prevenção da gravidez precoce ou indesejada: ter o professor como referência e fonte de informação sobre educação sexual, acessar a internet frequentemente, não participar de grupo religioso e conversar com os pais.

Por outro lado, homens de baixa escolaridade que sejam evangélicos e já tenham reprovado de ano na escola constituem o grupo com visão mais fechada ou conservadora. No extremo oposto, mulheres que tenham cursado a universidade e nunca sido reprovadas teriam a mente mais aberta.

- Não estamos querendo estigmatizar. Ser evangélico pode não fazer diferença nenhuma. É apenas um determinante - diz o coordenador da pesquisa, Miguel Fontes, que é economista e doutor em saúde pública. - As mulheres têm menos tabus, mais tolerância. E, com relação ao diálogo com os pais, não é só conversar. É conversar sobre sexo.

Outra participante do Jovem de Expressão, Thais Moreira Silva, de 24 anos, discorda de 36% dos entrevistados que concordaram total ou parcialmente com a ideia de que educação sexual estimula o início da vida sexual:

- É o contrário. Por mais que o Brasil seja um Estado laico, existe um preconceito muito forte.

Secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, Macaé dos Santos diz que o Ministério da Educação encomendou pesquisa sobre formas de violência que afetam as escolas, entre elas, a discriminação sexual. E entende que o professor desempenha papel central:

- Educar, numa sociedade democrática, é uma atividade de maior complexidade ainda. Nem toda família pode querer que sua filha de 11 anos trate dessa temática na escola. A educação sexual não é competência exclusiva da escola. É da família e da sociedade.

(Demétrio Weber/O Globo)

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