Cientistas arrecadam dinheiro para decifrar DNA de mexilhão invasor

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pretendem sequenciar o genoma de uma espécie invasora de mexilhão que causa problemas ambientais no Brasil.
Chamado de mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), o animal tornou-se uma praga, diz o professor do Instituto de Biofísica da universidade, Mauro Rebelo, um dos coordenadores da pesquisa. A espécie está espalhada por rios da região Sul e em pontos do Sudeste e Centro-Oeste, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).

Para complementar os recursos para “decifrar” o DNA, pesquisa que tem sido possível com o apoio de órgãos como o CNPq, os cientistas abriram um pedido de arrecadação coletiva de dinheiro via internet no site Catarse – modelo chamado de “crowdfunding”. A ajuda servirá principalmente para comprar equipamentos e reagentes, destacam os pesquisadores.

Outro motivo para inscrever o projeto no “crowdfunding” é levar o conhecimento científico para as pessoas, afirma a pesquisadora Marcela Uliano, que está fazendo sua tese de doutorado sobre o sequenciamento do genoma.

“Nosso laboratório é muito envolvido em divulgação científica. Acreditamos que o cientista tem obrigação de explicar para o público o que ele faz”, diz ela.

O animal, que é nativo da China e foi trazido acidentalmente à América do Sul por navios cargueiros, foi identificado pela primeira vez no continente no início dos anos 1990. Ele se reproduz várias vezes por ano, tolera variações ambientais que matariam outras espécies e tem alta capacidade de filtrar partículas na água para se alimentar, afirma Rebelo. “Todas essas características fazem desses mexilhões uma espécie capaz de invadir novos ambientes”, ressalta.

Até no Pantanal – Segundo Marcela, os mexilhões-dourados são encontrados em rios como Paraná, Tietê e Guaíba, e chegaram a regiões do Pantanal. “Eles se espalharam rápido porque grudam em cascos de barcos de pesca, sendo levados de um lado para o outro do rio”, diz o professor Rebelo.

Problemas ambientais como alteração das concentrações de matéria orgânica na água, desequilíbrio nas populações de peixes carnívoros (que passam a encontrar alimento facilmente) e a morte de outros animais bivalves de espécies nativas estão relacionados à presença do mexilhão-dourado no país, aponta Marcela.

Os prejuízos econômicos, diz ela, ocorrem porque os animais se fixam por exemplo em cascos de navios, danificando-os. A larva do animal também atravessa as grades de proteção de sistemas de usinas hidrelétricas, permitindo que os mexilhões cresçam incrustados em turbinas e trocadores de calor e se reproduzam ali, prejudicando o funcionamento e a produção de energia.

Estudando o DNA – O estudo do genoma pode ajudar a entender se o mexilhão-dourado possui características moleculares que facilitem seu sucesso como invasor, diz a pesquisadora. Em caso positivo, é possível pensar a partir dessas características em meios futuros para conter a espécie.

“Por exemplo: se descrevermos um gene novo, específico da espécie e essencial para sua sobrevivência na fase larval, podemos atacar o seu funcionamento através de ferramentas biotecnológicas, e desta forma impedir que ele se desenvolva”, ressalta.

A pesquisa para sequenciar o DNA já foi iniciada, mas ainda deve levar um tempo até ser concluída, ponderam os cientistas. A previsão de ter um primeiro rascunho do genoma do mexilhão-dourado é de dois anos, de acordo com Marcela. “Possuímos o prazo máximo de quatro anos para ter esse trabalho completo, que é o meu tempo de doutorado”, diz ela.

Nome na proteína – A proposta do “crowdfunding” prevê recompensas para quem investir na pesquisa. A principal é dar o nome do doador – ou o nome de quem ele quiser – para uma proteína ou enzima.

Quem doar R$ 20, por exemplo, pode ter seu nome em uma proteína estrutural. A maior hipótese de doação (R$ 1.000) prevê dar o nome do apoiador para um conjunto de proteínas. Além disso, o “mecenas” da pesquisa que doar a partir de R$ 50 recebe uma ilustração da proteína batizada.

“Se o seu nome for Joana, sua proteína pode chamar-se ‘Joanase’, por exemplo”, afirmam os pesquisadores na proposta inscrita no Catarse. O nome da proteína ficará registrado em um banco mundial genético, o Genbank, que é consultado por cientistas do mundo todo.

Danos à Amazônia – Como a espécie se espalha rápido, ela pode chegar à bacia Amazônica no futuro caso não seja controlada, na avaliação dos pesquisadores. Os resultados seriam desastrosos para o ecossistema. A variedade e quantidade de microalgas na água diminuiriam, devido à grande capacidade dos mexilhões de filtrarem a água para se alimentar, “alterando toda a base da cadeia trófica”, prevê Rebelo.

“Os peixes se alimentariam desses mexilhões, mas como não são adaptados a eles, morreriam. A diversidade de animais e plantas diminuiria”, ressalta o professor. “Os pescadores seriam afetados, as comunidades seriam afetadas, o transporte de carga e passageiros pelos rios amazônicos seriam afetados”, completa.

Outra das hipóteses para controlar a espécie invasora, aponta o cientista, poderia ser criar terapias gênicas que venham a agir só no DNA do mexilhão-dourado, sem afetar outras espécies de animais. Isso poderia ser feito após o sequenciamento do genoma e outros estudos serem concluídos.

Funcionaria do mesmo jeito “que vacinas de DNA, que atingem apenas as células cancerígenas de um organismo, sem afetar as células saudáveis”, avalia Rebelo. Ele ressalta, no entanto, que chegar a isso não é simples e não é objetivo da equipe de pesquisadores para um futuro próximo – o foco é no sequenciamento do genoma e em estudá-lo. 

(Fonte: G1)

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