O governo da Holanda está sendo pressionado a reduzir a extração de gás no norte da Holanda por causa dos terremotos na região, cada vez mais fortes e frequentes.
O fenômeno é uma maldição para os milhares de habitantes que vivem perto dos campos de gás de Groningen – o maior complexo do tipo na Europa.
Existe um consenso entre todas as partes envolvidas no problema – incluindo as empresas de gás – de que o processo de extração do gás está por trás dos terremotos, mas o país está enriquecendo com a exploração.
Em 2012 o governo holandês faturou cerca de 14 bilhões de euros (R$ 32 milhões) com os campos de gás de Groningen. Sem essa receita, o deficit da Holanda seria semelhante ao do Chipre (6,3%), país fortemente atingido pela crise econômica.
“É um estrondo vindo em sua direção, cada vez mais alto”, diz Daniella Blanken, que coordena o Groningen Ground Moviment.
“Tudo começa a tremer. E termina com um estrondo, como se um peso enorme tivesse caído sobre a casa. É assustador, realmente assustador”.
Daniella nos levou para visitar um bairro novo nos arredores da cidade. É um subúrbio típico holandês, com um canal correndo pelo lado esquerdo da rua. Mas Middelstum é uma das áreas mais atingidas pelos terremotos.
Quantas dessas casas foram afetadas? “Pelo menos 60%, mas as mais antigas sofreram mais”, conta Daniella.
Rachaduras – Existem aproximadamente 60 mil casas dentro da zona de terremotos. As empresas de gás estão lidando com cerca de 6 mil reclamações relacionadas a danos.
Mais cedo, na cozinha aconchegante da casa de Daniella, a voz tremeu de emoção para explicar seu desespero: “Queremos que eles coloquem a nossa segurança acima de tudo, mas eles não colocam”.
“O governo tem que proteger seus cidadãos”, disse ela, fazendo uma pausa antes de acrescentar: “Nós não nos sentimos protegidos”.
Estacionamos do lado de fora de uma casa de fazenda enfeitada com flores. Número 13, lar de Klaas Koster e Jannette Schoorl.
Eles chamam a atenção para uma rachadura irregular de cerca de 7cm de largura que atravessa um degrau de concreto e sobe pela parede externa da casa, como se um raio tivesse atingido o imóvel e deixado ali uma marca feia e permanente.
“Os especialistas dizem que esta parte da casa está dizendo adeus”, diz Klaas.
Seu tom de voz é jovial, um esforço deliberado para lidar com um problema que os moradores não podem evitar. O piso da sala está claramente afundando. É uma grande preocupação numa região que se encontra quase totalmente abaixo do nível do mar. Esta não é uma região que pode se dar ao luxo de afundar ainda mais.
Também não pode se dar ao luxo de abrir mão do uso de gás. No Parlamento holandês, em Haia, a 200 km de distância, o ministro da Economia, Henk Kamp, explica o porquê: “Quase todas as pessoas aquecem suas casas com o gás de Groningen e cozinham suas refeições com o gás de Groningen”.
“É muito importante também para o orçamento do nosso governo”.
O governo holandês possui grande participação nos campos de gás. Enquanto há simpatia pelo situação dos moradores, poucos estão dispostos a sacrificar a prosperidade econômica gerada pelo gás de Groningen.
É como colocou o atendente de um estacionamento: “Se os moradores de Groningen não gostam, eles devem se mudar para outro lugar”.
Há uma outra razão pela qual o Ministério da Economia rejeitou algumas recomendações científicas para reduzir imediatamente a escala de explorações: contratos.
“Temos contratos de longo prazo com outros países”, o ministro admite. “E isso é também um ponto importante para nós”.
O governo não conseguiu dar valor exato aos montantes que estão em jogo. O Ministro da Economia disse que estava fazendo um levantamento sobre as possíveis multas para o caso de redução no fornecimento de gás para clientes estrangeiros.
Nada pode ser excluído – O gás em Groningen foi descoberto na década de 1960. Desde então, o governo holandês arrecadou cerca de 250 bilhões de euros na venda deste recurso natural.
Em agosto passado, houve um tremor de magnitude 3,4, maior do que qualquer especialista já havia previsto. Ele minou a confiança dos moradores e obrigou o governo a abrir um inquérito.
“Nós sempre soubemos que terremotos poderiam ocorrer, mas agora não sabemos mais a que magnitude estes podem chegar”, diz Chiel Seinen, que representa a empresa petrolífera NAM, que incorpora as empresas Royal Dutch Shell Plc e Exxon Mobil Corp.
Seinen disse que sua empresa mantém um regime de indenizações, e que não há limites para estas. “As pessoas podem contar que nós da NAM iremos compensá-los pelos danos causados pelos tremores de terra”, diz ele.
Quando pergunto se Chiel Seinen acredita que vidas possam estar em perigo, ele levanta as sobrancelhas: “Você não pode excluir nada. Se as pessoas estão no lugar errado, na hora errada…”
E esse é o medo das famílias que vivem na região há várias gerações, muito antes das empresas de gás começarem a sacudi-la.
O Groningen Ground Movement considera levar seu caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, usando como base a violação do seu direito básico de viver sem medo.
De volta à fazenda, Klaas Koster serve um chá de erva doce e pega uma pilha de recortes de jornais – contrastando a escala de cobertura nos jornais com o nível de respostas do governo.
Ele e Jannette Schoorl são duas das muitas pessoas que ainda aguardam por algum tipo de compensação. Eles estão cansados de lutar para convencer os especialistas, financiados pela NAM, de que as últimas rachaduras foram causadas pelas extrações.
E Jannette está tendo problemas para dormir: “Nós dormimos debaixo de uma viga. À noite eu penso: e se houver um terremoto e essa viga cair em cima da gente? Espero viver para contar sobre isso”.
(Fonte: G1)
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