Solventes sustentáveis dissolvem celulose e têm uso amplo na indústria.
Para muitas pessoas a química é algo que pode ser perigoso. Na opinião popular ela está associada a alimentos industrializados que podem fazer mal, armas de destruição em massa ou poluição. Como reação a essa situação e levando-se em consideração os aspectos ambientais e de produção sustentável, a partir dos anos 1990 começou a se consolidar o conceito de “química verde”. Trata-se do incentivo ao uso de matéria-prima renovável e produtos biodegradáveis para substituir substâncias prejudiciais à saúde humana e ao ambiente.
Na Universidade de São Paulo (USP), uma equipe liderada pelo professor Omar El Seoud, do Instituto de Química (IQ), se dedica a levar à frente esses princípios. Com apoio da FAPESP, eles trabalham numa linha de pesquisa que tem como objetivo desenvolver os chamados “solventes verdes”, que causam baixo impacto ambiental e são recicláveis.
São os líquidos iônicos compostos de íons, moléculas ou átomos que ganham ou perdem elétrons durante um processo e por isso possuem carga elétrica diferenciada. Eles constituem uma alternativa aos solventes tradicionais, derivados de petróleo, utilizados na produção de plásticos, tintas, adesivos e detergentes. Os líquidos iônicos proporcionam maior estabilidade química e térmica. Por isso são seguros, não são inflamáveis e não evaporam, o que diminui muito o risco de causar incêndios e explosões. Eles também são relativamente fáceis de obter.
“A partir de um composto orgânico nitrogenado, o imidazol, e de elementos comuns, como cloro, bromo e iodo, é possível produzir 144 líquidos iônicos e um grande número de derivados, a maioria com potencial de aplicação”, diz Seoud. “Esse número é impressionante se for comparado à pequena quantidade dos solventes orgânicos voláteis (SOV) derivados do petróleo usados industrialmente.” Existem pelo menos 10 solventes de origem petrolífera produzidos no Brasil. Segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), em 2010, a produção atingiu 2,4 milhões de metros cúbicos, um mercado que movimenta cerca de R$ 5 bilhões por ano.
Ainda principiante no país, o mercado de solventes verdes já movimenta por ano cerca de US$ 3,5 bilhões no mundo com a produção de 5 milhões de toneladas, segundo apurou o jornal Brasil Econômico. A empresa de pesquisa de mercado norte-americana Global Industry Analysts anunciou no ano passado que os solventes verdes tiveram um crescimento médio anual de 4,2% na produção entre 2001 e 2010.
Fibra vegetal – A importância mundial que se dá às novas possibilidades dos solventes verdes é ampla e abrange os líquidos iônicos que podem ser utilizados, por exemplo, na produção de etanol de segunda geração a partir de resíduos agrícolas. A primeira etapa nesse processo envolve a remoção de lignina, uma espécie de cola que junta os componentes da fibra vegetal.
Uma das rotas que está sendo pesquisada é dissolver o material em líquido iônico e separar a lignina por adição de outro solvente (acetona). “Essa massa vegetal é separada e depois fermentada, o que gera glicose e depois etanol”, explica. “O líquido iônico também é recuperado e reciclado no processo.” Esse tipo de líquido pode ser ainda usado na produção de derivados de celulose, como membranas de filtração e hemodiálise, fibras e espessantes na indústria de alimentos.
“Usamos os líquidos iônicos como solventes eficientes para dissolver fibras de celuloses de interesse comercial, como algodão, sisal e eucalipto. Depois de dissolvida, a fibra é transformada no derivado.” Os pesquisadores também estudam os chamados líquidos iônicos tensoativos (LITs), que têm as mesmas estruturas básicas dos comuns, mas são capazes de mudar a tensão superficial da água, daí o seu nome. Eles podem ser usados como bactericidas e para recuperação da água contaminada com substâncias orgânicas policloradas.
“Nesse caso, o LIT é adicionado à água contaminada e forma agregados chamados de micelas, que dissolvem os contaminantes orgânicos”, explica Seoud. “Em seguida, a solução passa por uma etapa de ultrafiltração com membranas especiais e sob pressão, a água é limpa num filtro específico e o agregado, com a micela contendo o poluente, fica retido para posterior descarte seguro. A técnica pode ser também adequada para a remoção de metais pesados, contaminantes inorgânicos, provenientes de vários processos metalúrgicos.” Ainda sem a elaboração de uma patente, o professor Seoud diz que não há perspectivas imediatas de esses solventes verdes serem licenciados para uma indústria, por exemplo.
Os líquidos iônicos não são os únicos solventes que podem ser considerados verdes. Já existe no mercado similares produzidos a partir da glicerina, um subproduto da fabricação do biodiesel em que, para cada mil litros desse biocombustível, sobram cerca de 100 litros de resíduo. Um exemplo é o Augeo SL 191, um solvente para tintas e vernizes empregado em pintura automotiva e repintura, tintas industriais, madeira e couro, lançado em 2009 pela Rhodia no Brasil.
Segundo a empresa, trata-se de um solvente de lenta evaporação e baixo composto orgânico volátil, que possibilita maior produtividade e menor consumo no processo de fabricação de tintas e vernizes. Na mesma linha, a empresa lançou, no final de 2010, o Augeo Clean, uma variedade de solventes, também derivados da glicerina, para atender como matéria-prima ao segmento de produtos utilizados em limpeza doméstica e industrial. A multinacional, que foi adquirida no início do ano pela belga Solvay, garante que os novos produtos, criados nos laboratórios da empresa no Brasil, obedecendo critérios de sustentabilidade, podem substituir com vantagens os produtos similares derivados de petróleo, tradicionalmente utilizados nas formulações de solventes.
(Fapesp)
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