Explorar centro da Terra já é viável

Em artigo na Nature, cientistas europeus afirmam que tecnologia desenvolvida pela indústria petrolífera permite perfurar crosta até o manto.

É possível fazer uma viagem ao centro da Terra ou, ao menos, ao seu início. É o que afirma um grupo de cientistas em artigo publicado na revista Nature. Segundo eles, as tecnologias existentes já são suficientes para perfurar a crosta terrestre até a camada inferior, o manto - que representa 68% da massa da Terra e permanece inexplorado. O objetivo é entender melhor a estrutura da Terra, os terremotos e aprimorar a exploração mineral.

Os cientistas propõem, na prática, a retomada da primeira expedição para perfuração científica no oceano, que ocorreu há 50 anos, em abril de 1961, chamada Projeto Mohole. Embora não tenha sido bem sucedida em seu objetivo de atravessar toda a camada rochosa que forma a crosta, essa expedição conseguiu, com os dois quilômetros perfurados a partir do subsolo em alto-mar, desenvolver a tecnologia que hoje ajuda as petrolíferas a explorarem campos de petróleo como o da camada de pré-sal de Tupi, na Bacia de Santos.

Segundo Benoit Ildefonse, da Universidade de Montpellier 2, na França, um dos autores do artigo juntamente com Damon Teagle, da Universidade de Southampton, da Grã-Bretanha, "graças às companhias de petróleo, agora temos a tecnologia para perfurar a distância necessária para chegar ao manto". O objetivo agora é ultrapassar o marco de 2.111 metros - máximo que já se conseguiu chegar até hoje - e perfurar os seis quilômetros necessários para atravessar toda a crosta em seu ponto mais fino, fazendo um buraco de 40 centímetros que poderá ficar aberto por muitos anos.

O melhor ponto de escavação deve ter a menor espessura de crosta possível. No entanto, nesses pontos, com a chamada "alta taxa de espalhamento", a crosta ainda está muito quente, pois sua formação é recente, o que dificulta a perfuração. Dessa forma, de acordo com informações de Ildefonse, eles conseguiram limitar as possíveis locações a três áreas - costas do Havaí (EUA), do México e da Costa Rica, todas no Pacífico -, onde a espessura é a mais fina possível e a temperatura da placa, suficientemente fria.

Compreensão. "Com essa análise direta poderemos fabricar um melhor modelo da Terra", afirma Ricardo Trindade, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. " É justo dizer que em muitos aspectos conhecemos mais sobre o espaço do que sobre o nosso planeta", disse Ildefonse.

Segundo o autor da pesquisa, saber mais sobre o manto poderá ajudar na compreensão dos terremotos e da formação das placas tectônicas. No entanto, mesmo com a tecnologia petrolífera que levou ao desenvolvimento do navio Chikyu, que será usado para a perfuração, ainda assim serão necessários mais 10 anos de pesquisas antes do início dos trabalhos. Isso porque parte da tecnologia terá de ser adaptada para a enorme pressão e temperatura que os aparelhos encontrarão em maiores profundidades.

Além disso, é necessário garantir o financiamento. "Dependemos da vontade política, pois a quantidade de dinheiro que precisamos é muito grande", diz Ildefonse, lembrando que o Brasil já fez parte dos países que financiaram o projeto nos anos 1980.

(O Estado de São Paulo)

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