Clubes de descontos fornecem produtos e serviços

No presente artigo o leitor encontra aspectos fiscais, concorrenciais e de proteção de consumidores envolvendo os auto-denomiandos “clubes de desconto”. Trataremos, aqui, de alguns aspectos relevantes que devem ser considerados sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, e em face dos princípios constitucionais de livre-mercado, e de defesa da concorrência e de consumidores.

Primeiramente, cumpre diferenciar duas modalidades de negócios, presentes no Brasil, que são os “clubes de compras” e os “clubes de desconto”. Naturalmente podemos encontrar formas e variações destes modelos, mas nos interessa o conceito base. Assim, apontaremos brevemente o primeiro, para focar a questão no segundo nomeado, objeto de nossa reflexão no presente artigo.

Os “clubes de compras” são um modelo de clube de compras varejista, que refletem uma modalidade de associativismo difundido no mundo há mais de um século. Independentemente do nome atribuído, existem registros históricos de cooperativas de consumo oriundas de movimentos sociais, muitas vezes sinalizando uma proposta e/ou alternativa para agrupamentos sociais resolverem questões de compras, seja por motivos de distâncias e logística, seja por conta de crises e/ou necessidades coletivas. Estes “clubes de compras” usualmente são juridicamente formados por uma cooperativa ou associação, com a participação conjunta de consumidores e do idealizador em uma mesma entidade, que se organizam para realização de compras coletivas, potencialmente com melhores preços e condições, ou seja, buscam “ganhos de escala”.

Já os “clubes de desconto”, que atualmente apresentam grande proliferação no mercado brasileiro, possuem uma formalização jurídica diversa. Estes clubes se formam, usualmente, por iniciativa de um empreendedor, que tem uma empresa gestora do negócio, e que reúne consumidores por meio de cadastro simples em um portal e/ou website. Neste modelo, o “clube” realiza a coleta, organização e disponibilização de ofertas, em sua grande e expressiva maioria, pela internet, sendo previamente negociadas entre o “clube de descontos” e o ofertante. Na prática, a gestora atua como prestadora de serviços de captação e gestão de pagamentos. Em grande parte dos website consultados, os “clubes” não se responsabilizam por nenhum produto e/ou serviço ofertado, estabelecendo em “termos de uso e condições” que não são responsáveis pela disponibilidade ou não dos produtos e/ou serviços ou ainda, pela impossibilidade de seu uso.

No tocante às preocupações concorrenciais, devemos lembrar que um empreendedor que deseje ingressar em dado mercado (ou se manter nele) deve analisar as condições de entrada e saída de seu segmento, se existem eventuais barreiras à entrada, ou de que forma os concorrentes e a concorrência está posicionada, e outros tantos elementos que acabam por influenciar as decisões de investimento e de alocação de recursos. Neste sentido, a venda de produtos, de forma rotineira e habitual, com descontos de no mínimo 50% do seu custo regular no mercado, pode significar efetiva prática prejudicial ao mercado, e deve ser objeto de reflexão e análise por parte das autoridades competentes. Ora, tais práticas podem, eventualmente, acabar por limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado (Lei 8.884/94, artigo 21, inciso IV), além de potencialmente impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes, preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros, dentre outras hipóteses fixadas em lei.

Ponto relevante e que merece atenção do Poder Público diz respeito às formalidades legais de âmbito regulatório. Isto porque temos uma situação, como já indicado, na qual as operações de venda de produtos através dos “clubes de descontos”, em tese, representam oferta pública com recebimento antecipado do preço, o que pode configurar a hipótese legal de operação sujeitas a autorização nos termos do artigo 7º, da Lei 5.768, de 1971. Neste sentido, as operações deveriam ser previamente autorizadas pelo Ministério da Fazenda, segundo o artigo 7º, inciso II, da referida lei, por se tratar de venda ou promessa de venda de mercadorias a varejo, mediante oferta pública e com recebimento antecipado, parcial ou total, do respectivo preço.

Sob a ótica tributária, o fluxo de receitas existente entre os “clubes de desconto” e as empresas contratantes deve ser jurídica e contabilmente estipulado, estabelecido e gerido, fundamentando a relação entre as partes por meio de termos e contratos formais, visando disciplinar e regulamentar as trocas de fluxos financeiros, sob pena de ocorrência de bi-tributação. Estruturas que envolvam operações de recebimento e repasse de receitas de terceiros podem fazer surgir uma cadeia multifásica de tributação, principalmente considerando a abrangência dos conceitos de receita bruta e faturamento previstos na legislação em vigor. Há de se considerar, ainda, a necessidade de adequação da emissão dos documentos fiscais respectivos, na medida em que o valor dos produtos ou serviços é recebido por um intermediário, o qual deverá registrar tal operação, sendo que posteriormente o fornecedor de fato deverá proceder à emissão da respectiva nota fiscal relativa ao produto ou serviço fornecido.

Por fim, levantamos pontos relacionados à defesa dos consumidores, posto que estes são legalmente e constitucionalmente protegidos. Os “clubes de desconto”, em função da responsabilidade objetiva estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor, devem ser compreendidos como fornecedores de produtos e serviços, ainda que para a maioria daqueles que foram consultados por nós, por meio de análise de seus “termos e condições”, busquem eximir-se das responsabilidades notadamente estabelecidas e impostas pelo CDC.

Neste sentido, vale lembrar que perante a Lei 8.078/90 é considerado fornecedor toda pessoa física ou jurídica, que desenvolva atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Logo, ainda que tais clubes busquem atuar como meros intermediários, estão sujeitos em nosso entendimento às responsabilidades legais fixadas, especialmente aquelas estabelecidas dos arts. 8º a 25º do CDC.

Fonte: Consultor Jurídico - www.conjur.com.br - 27/03/2011

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