Região da Paraíba tem maior conjunto de pegadas de répteis pré-históricos

Pela análise das marcas, já foram identificadas 80 espécies desses animais, que habitaram o Brasil há cerca de 140 milhões de anos

Não são somente os fósseis dos esqueletos dos dinossauros que contam sua história. As pegadas deixadas por eles também são peças importantes para montar o quebra-cabeças sobre uma época de milhões de anos atrás. Esses rastros, além de acrescentarem mais conhecimento sobre o peso, o tamanho e a forma dos animais, são capazes de informar como era a vida social desses seres - se viviam solitários ou em bando.

No mundo inteiro, principalmente na China, existem pegadas de diversos grupos dos répteis pré-históricos. O Brasil não fica para trás. No alto sertão da Paraíba, no município de Sousa, encontra-se uma região com a maior incidência de pegadas de dinos do mundo. Elas demonstram a grande diversidade de espécies que existiu ali e os mecanismos de interação entre as populações de animais que ali viveram.

Na região, existem mais de 300 rastros fossilizados, espalhados por cerca de 700km². "Algumas trilhas compreendem rastros com mais de 150m de extensão", frisa Ismar Carvalho, paleontólogo e diretor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Podemos conhecer a grande diversidade da vida que existiu em Sousa e os mecanismos de interação entre as populações de animais que ali viveram", completa.

A maior parte das pegadas são encontradas na região da Bacia do Rio do Peixe, que, por esse motivo, acabou apelidada de Vale dos Dinossauros. O lugar foi transformado em parque paleontológico natural. Assim, não pode ser modificado pelo homem, como ocorre com os fósseis de ossos, que são escavados das rochas e levados para o laboratório, onde é montado o esquema do esqueleto do animal. Ali, em Sousa, o público pode entrar, apreciar e ver de perto por onde esses animais pré-históricos andaram. Também há uma estrutura para passeios pelas trilhas com guias credenciados, para aproximar ainda mais o público da paleontologia.

É possível ver claramente, por exemplo, rastros do iguanodonte, um dinossauro herbívoro e bípede que pesava cerca de 4t e tinha 5m de envergadura e 3m de altura. Sob o ponto de vista da alimentação, o iguanodonte parecia ser uma exceção. A maior parte das trilhas encontradas no local foram deixadas por dinos carnívoros que, provavelmente, se alimentavam de pequenos lagartos ou eram os maiores predadores do local.

De acordo com Carvalho, as pegadas de Sousa variam muito de tamanho. "As maiores têm as dimensões de uma roda de carro, aproximando-se das proporções da pata de um grande elefante. As menores têm as dimensões do pé de uma galinha", compara o paleontólogo.

Mesmo sendo um local bastante rico para pesquisa, com fósseis bem conservados, os paleontólogos têm um desafio ao estudar as pegadas: a difícil identificação das espécies que deixaram tais vestígios - até hoje, 80 já foram identificadas. Isso porque características semelhantes podem aparecer em diferentes espécies. Os dinos carnívoros, por exemplo, geralmente apresentavam patas com três dedos. Porém alguns herbívoros também tinham essa característica.

"O que podemos afirmar é a presença, naquela época, de três grupos de dinossauros, com centenas de espécies cada um", esclarece Alexander Kellner, paleontólogo do Museu Nacional da UFRJ. As pegadas encontradas na região de Sousa possibilitam também a informação sobre animais que não deixaram nenhum outro tipo de registro, como partes do esqueleto. "São centenas de pegadas e pistas isoladas indicando a existência de pelo menos 12 espécies de dinossauros que não deixaram nenhum resto esqueletal preservado", conta Carvalho.

A região conta com importantes informações paleontológicas por ser rica em rochas com cerca de 140 milhões de anos. Na época em que os dinossauros habitavam Sousa, o clima era quente e seco. O Oceano Atlântico ainda não existia, sendo a América do Sul conectada à África. Isso fazia com que as áreas internas ao continente sul-americano fossem muito áridas, com uma sazonalidade climática bem marcada, com períodos de chuva curtos e intensos. "Esse cenário acabou possibilitando o registro das pegadas. É possível que existam outras centenas de milhares na região", avalia Kellner.

Os dinossauros sumiram, mas seus rastros ficaram gravados no barro de lagoas e na areia de rios em períodos chuvosos. Na seca, as pegadas se solidificaram, resistiram às chuvas seguintes, ganharam novas camadas de areia e barro trazido pelas enchentes e hoje, fossilizadas, contam a história e a vida há 140 milhões de anos.

(Silvia Pacheco - Correio Braziliense)

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