Com chip orgânico, Brasil ganha chance em semicondutores

Compostos baseados em carbono substituem silício e cobre na produção de componentes eletrônicos.
O Brasil perdeu oportunidades recentes de ter sua própria indústria de semicondutores. Mas uma nova chance de o país ganhar espaço nesse mercado parece surgir com os avanços em uma área ainda pouco conhecida da tecnologia: a eletrônica orgânica. A técnica usa compostos de moléculas baseadas em carbono no lugar de elementos como silício e cobre na fabricação de componentes.

Por usar material comum, como flúor e enxofre, a eletrônica orgânica demanda investimentos mais baixos. "Com US$ 100 mil já é possível montar uma fábrica", diz o professor Roberto Mendonça Faria, coordenador do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo) da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos. Uma fábrica de chip de silício custa cerca de US$ 3 bilhões.

A fábrica de componentes orgânicos também dispensa investimentos maciços na montagem de áreas livres de impureza, as chamadas salas limpas, e de sistemas de vácuo. "A eletrônica orgânica será a grande indústria do século XXI. Precisamos embarcar nessa viagem agora", diz Faria.

O mercado de dispositivos eletrônicos orgânicos movimenta anualmente R$ 5 bilhões no mundo e pode chegar a R$ 600 bilhões em 15 anos, conforme dados da consultoria IDTechEx. No mercado brasileiro, o potencial é de atingir R$ 18 bilhões ao ano no mesmo período.

Em seu estágio atual, a tecnologia não pode ser aplicada à fabricação dos processadores centrais de celulares e computadores - dois dos tipos mais comuns de chips. A tecnologia já pode, no entanto, substituir a eletrônica tradicional em material semicondutor usado na fabricação de sensores, telas flexíveis, painéis para captação de energia solar, lâmpadas e etiquetas inteligentes.

"As embalagens de remédio podem ter circuitos que mudam de cor para indicar quando o medicamento passa da data de validade", exemplifica Faria. Cartões inteligentes e papel eletrônico são outras possibilidades. Só no Ineo existem mais de 30 grupos de pesquisa estudando aplicações e conceitos científicos relacionados à eletrônica orgânica.

A tecnologia já é usada por fabricantes de celulares na área de telas; empresas como Sony e Samsung também adotam o material na fabricação de aparelhos de TV e monitores ultrafinos. O novo console portátil da Sony, lançado ontem, chegará ao mercado com uma tela de OLED, uma espécie de LCD que consome menos energia e se baseia na eletrônica orgânica.

No Brasil, algumas empresas começam a investir na área. No início da semana, a CSEM Brasil - instituição privada sem fins lucrativos criada pela suíça CSEM S.A e pela empresa de participações FIR Capital - assinou com o governo de Minas Gerais e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) um termo de cooperação técnica, com aporte de R$ 7 milhões, para desenvolver produtos com eletrônica orgânica.

A instituição também firmou com a Fapemig um memorando de entendimento para cooperação científica com o Imperial College London, principal centro de referência da área.

O executivo-chefe da CSEM Brasil, Tiago Maranhão Alves, diz que a empresa focará o desenvolvimento de etiquetas com sensores de identificação por radiofrequência (RFID) e células fotovoltaicas (que convertem luz em energia elétrica).

O plano é iniciar a produção desses itens no prazo de um ano e instalar uma fábrica de chip eletrônico orgânico, o que exigirá investimento de R$ 100 milhões. Ele diz que o composto usado para a produção desses itens poderia ser fornecido por empresas que já atuam no país, como a Braskem. Por meio de sua assessoria, a Braskem informou que acompanha o desenvolvimento da tecnologia.

Devido ao custo reduzido, Alves diz acreditar que a tecnologia atrairá o interesse de investidores para a instalação da fábrica. "Desde a década de 70 corremos atrás do mercado de semicondutores. A eletrônica orgânica é o próximo trem que não podemos perder."

A holandesa Philips também iniciou um projeto no Brasil recentemente. Em novembro, anunciou parceria com a Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (CERTI) e apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para trazer ao Brasil parte do desenvolvimento da tecnologia OLED.

O diretor de tecnologia e sustentabilidade da Philips, Walter Duran, diz que as lâmpadas de OLED disponíveis atualmente são pequenas e, portanto, têm aplicação limitada. O projeto visa desenvolver lâmpadas maiores, que permitam criar painéis destinados a ambientes residenciais. Um exemplo seria um vidro para janela capaz de armazenar energia solar e iluminar um cômodo à noite. A Philips planeja iniciar a produção de luminárias com a tecnologia em 2013.

No início da década passada, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também usou a eletrônica orgânica para criar a língua eletrônica, equipamento que identifica os sabores de alimentos e bebidas.

Desenvolvimento da cadeia produtiva é lento

A formação da cadeia produtiva de semicondutores no Brasil avança a passos lentos. O único projeto de fábrica de chip existente é do Centro Nacional em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), empresa de capital misto vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Criada em 2008, a Ceitec já recebeu R$ 500 milhões em aportes, mas ainda não iniciou a produção, que deveria ter início em 2009.

O prazo foi postergado para 2012. Procurada pelo Valor, a empresa informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que já finalizou contratos para a instalação e a finalização da reforma de equipamentos. Até outubro, deve iniciar a operação na fábrica, sediada em Porto Alegre. A expectativa é de que a fábrica comece a produzir a partir do ano que vem, com capacidade para 100 milhões de chips ao ano.

Outras propostas foram anunciadas, mas não chegaram à etapa de produção. A brasileira Altus, de São Leopoldo (RS), anunciou em 2010 parceria com a sul-coreana Hana Micron, para a instalação de uma fábrica de chip no país em 2011, com investimento de US$ 200 milhões - parte do chip será fabricada no exterior.

Em dezembro, a Semp Toshiba anunciou com a japonesa Toshiba e o Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun um memorando de entendimentos para a criação de design house (empresa que cria projetos de chip) no Brasil, com aporte de US$ 4 milhões. Existem no país 20 empresas dedicadas à criação de semicondutores.

(Gustavo Brigatto e Cibelle Bouças - Valor Econômico)

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