Transporte de medicamentos

Partículas levam drogas solúveis em água até um local doente do corpo

© IPT
Esferas nanométricas com fármacos no interior

Uma nova geração de sistemas nanométricos capazes de levar medicamentos até o local do organismo no qual devem agir foi desenvolvida em um trabalho conjunto feito entre pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). O trabalho gerou um depósito de patente e foi apresentado na 2nd Conference Innovation in Drug Delivery, que tratou de inovação em meios de veiculação de fármacos, em Aix-en-Provence, na França, no mês de outubro. “Trata-se de um nanocarreador capaz de levar drogas hidrofílicas [solúveis em água], o que é inédito”, disse o professor Antonio Cláudio Tedesco, do Departamento de Química da FFCLRP-USP, à Agência FAPESP.

“O Brasil está muito bem nessa área, trabalhamos com os sistemas mais modernos, que sustentam melhor a liberação do princípio ativo e aumentam sua eficácia”, analisou Tedesco depois da conferência. Ele conta que os nanocarreadores já desenvolvidos só obtiveram sucesso ao transportar substâncias hidrofóbicas, as quais não se dissolvem na água, o que limitava o campo de aplicação. Tedesco estuda o desenvolvimento de nanocarreadores de fármacos aplicados à saúde, como câncer, doenças degenerativas do sistema nervoso central, entre outras. O sistema de veiculação de medicamentos feito em parceria com o IPT surgiu do projeto de doutorado que está em desenvolvimento da bioquímica-farmacêutica Natália Neto Pereira Cerize, orientanda de Tedesco. Natália tinha bolsa de doutorado direto da FAPESP até o início de 2010, quando passou em um concurso para pesquisadora do Laboratório de Processos Químicos e Tecnologia de Partículas (LPP) do IPT. A pesquisa desenvolvida desde 2008 na USP, em parceria com o instituto, contou com a coorientação da pesquisadora Maria Inês Ré e a colaboração do pesquisador Adriano Marim, ambos do LPP.

“Tivemos a preocupação de utilizar substâncias biocompatíveis, de modo que não apresentem problemas em uma futura aplicação em humanos”, afirmou Natália. Ela também salientou a versatilidade do produto, que poderá ser empregado na encapsulação de diferentes princípios ativos. “Por esse motivo patenteamos o processo de fabricação do nanocarreador, e não de um medicamento ou de uma aplicação específica”, explicou. Diferentemente dos medicamentos convencionais, administrados em doses maiores a fim de que uma parte deles chegue ao local desejado, os nanocarreadores podem levar quantidades bem menores do princípio ativo. Além de gerar economia de fármacos, essa característica reduz os efeitos colaterais causados pelas drogas. Isso ocorre porque as nanopartículas são projetadas para apresentar seletividade para um determinado alvo biológico. Outra vantagem é que as partículas nanométricas executam uma liberação controlada do medicamento. Essa ação evita os picos de dosagem que ocorrem com os fármacos convencionais. Ao serem liberados continuamente, os princípios ativos mantêm níveis constantes no organismo.

Escala industrial – O novo nanocarrea­dor será aplicado em testes laboratoriais no tratamento de câncer de pele na chamada terapia fotodinâmica. Nesse procedimento, uma solução tópica com um fármaco fotossensível aplicada sobre a pele atinge as células tumorais e o estímulo para a ação do medicamento é dado pela exposição a uma fonte de luz que pode ser de um laser ou LED. Ao serem expostas por um determinado tempo, de acordo com o caso, à luz, as substâncias utilizadas no medicamento dão início a um processo complexo que resulta na liberação de radicais livres, moléculas que funcionariam como disparadores da apoptose (morte celular programada) das células doentes.

“A célula neoplásica [cancerosa] não dispara a apoptose. É como se ela se esquecesse de morrer e assim se reproduz indefinidamente. Ao receber um choque de radicais livres induzidos pela ação do feixe de luz sobre o fármaco fotossensível, a célula reativa o sistema de apoptose”, explicou Tedesco. Natália ressalta que outra preocupação da equipe foi produzir um nanocarreador para ser fabricado em larga escala e com os equipamentos já existentes na indústria farmacêutica. “Há muita pesquisa que gera produtos eficazes, mas que são comercialmente inviáveis, pois apresentam incompatibilidade com a tecnologia farmacêutica atual”, pontuou.

Apesar de apresentar grande potencial, a tecnologia patenteada ainda terá de percorrer um longo caminho antes de ser disponibilizada nas farmácias, informam os pesquisadores. O grupo acaba de iniciar a etapa laboratorial dos testes e ainda virão as fases in vitro, in vivo em animais e, finalmente, testes clínicos, com muitos ativos de interesse. “Trata-se de um produto inovador e promissor, com perspectivas de aplicação, mas que ainda precisa de muitos estudos para que seja disponibilizado no mercado”, disse Natália.

(Fasesp - Fabio Reynol)

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