Pílula de uso diário reduz em 72,8% contaminação pelo vírus da aids

Esse é o primeiro trabalho que demonstra a eficácia de um medicamento oral de uso diário para evitar a infecção pelo vírus da aids

Um comprimido diário, que combina dois medicamentos antirretrovirais, reduziu em 43,8% as infecções por HIV em homens que fazem sexo com homens. O índice de proteção chegou a 72,8% entre aqueles que tomaram o remédio em 90% dos dias. Os resultados fazem parte da pesquisa Iniciativa Profilaxia Pré-Exposição (iPrEx), que acompanhou 2.499 voluntários em 6 países - 350 deles no Brasil.

Esse é o primeiro trabalho que demonstra a eficácia de um medicamento oral de uso diário para evitar a infecção pelo vírus da aids. "É um divisor de águas no combate à epidemia de HIV", afirmou o infectologista Mauro Schechter, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coautor do artigo publicado pelo New England Journal of Medicine.

Os cientistas acompanharam os pacientes por três anos em centros dos Estados Unidos, da África do Sul, da Tailândia, do Equador e do Peru, além do Brasil. No período, 100 pacientes contraíram o HIV - 64 dos infectados faziam parte do grupo de 1.248 pessoas que receberam placebo; 36 estavam entre os 1.251 que tomaram o comprimido Truvada, do laboratório Gilead Sciences, que combina o tenofovir e a emtricitabina, esta ainda sem registro no Brasil.

Dez voluntários foram excluídos porque contraíram o vírus no período entre a entrevista para ingressar no estudo e a primeira dose do medicamento. Houve registro de efeitos colaterais, como desconforto gástrico e náuseas, mas em pequena escala.

"A pesquisa mostra que, se a pessoa toma o remédio, funciona. Não temos como saber se a pessoa tomou o comprimido diariamente; levamos em conta o que o voluntário relata. Mas os exames de sangue feitos em um grupo de pacientes mostraram que, entre aqueles que tinham o medicamento no organismo, a redução da infecção foi de 92%", afirma Mauro Schechter.

Os voluntários receberam o que é considerado o melhor pacote de prevenção - aconselhamento, preservativos, acompanhamento psicológico e tratamento para doenças sexualmente transmissíveis, além do medicamento.

"A gente sabe que o medicamento foi eficaz porque, apesar de toda a informação, nem todos usaram o preservativo, ou a infecção por HIV teria sido zero. Além disso, eles foram testados para sífilis, gonorreia e hepatite B e alguns contraíram DSTs", afirma o infectologista Esper Kallás, da USP, também coautor da pesquisa.

O auxiliar de enfermagem Fábio Paulo Santana, de 37 anos, foi um dos voluntários. "A mensagem mais importante que recebemos é que um método não exclui o outro. A prevenção tem de ser do remédio com o preservativo. É mais uma ferramenta", afirmou Santana, que fez o acompanhamento na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), terceiro grupo brasileiro que atuou na pesquisa.

Santana disse que fez questão de contar para a família, amigos e colegas de trabalho que era voluntário da pesquisa. "Tomava todos os dias pela manhã, com a minha avó. Ela tomava o anti-hipertensivo e eu, o remédio da pesquisa", contou.

Ele ficou frustrado por não saber se fez parte do grupo que tomou o remédio ou do que recebeu o placebo. O dado só será divulgado em março de 2011.

Tanto Kallás quanto Schechter reconhecem que é difícil garantir a adesão do paciente ao tratamento. "As pessoas deixam de tomar o remédio por esquecimento, por distração. Esse é o grande obstáculo desse tipo de intervenção. Esse trabalho comprova que pode haver prevenção do HIV por medicamento, mas outros estudos são necessários: combinação de outras drogas, esquemas intermitentes, com mulheres, com usuários de drogas", afirmou Kallás.

O diretor do departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Dirceu Greco, comemorou o resultado do trabalho, mas ressaltou que é preciso cautela. "Houve eficácia no ensaio clínico, com acompanhamento adequado. Por outro lado, precisamos discutir se o caminho é medicalizar a prevenção, quando o método mais eficaz é o preservativo", afirmou.

Ele lembrou ainda que o medicamento combinado é muito caro - o tratamento para um paciente nos EUA custa US$ 12 mil por ano. E afirma que o Brasil já tem a lamivudina, com efeito equivalente à emtricitabina e custo mais baixo. O laboratório fez o requerimento de registro da emtricitabina no País, mas o processo ainda está em análise.

O iPrEx reuniu 900 pesquisadores em 11 centros de estudos, sob a coordenação da Universidade da Califórnia, em São Francisco. A pesquisa recebeu financiamento do governo americano e da Fundação Bill e Melinda Gates. O laboratório Gilead Sciences doou os medicamentos.

(Clarissa Thomé e Alexandre Gonçalves - O Estado de SP)

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