Pesquisa indica que mais de 70% dos professores são motivados a entrar em sala de aula pelo amor à profissão, mas 69% consideram que a carreira é desvalorizada
Maria Berenice Moura Alves cumpre uma jornada de 40 horas semanais no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Em casa, dedica outras 10 horas a preparar as aulas. Considera injusta a remuneração que recebe e, em sala, enfrenta o desafio diário de prender a atenção de adolescentes. Mas se diz apaixonada pelo que faz.
Aos 50 anos - 22 deles dedicados à profissão -, a professora de Geografia dá rosto aos números de uma pesquisa sobre o professor brasileiro, realizada pelo Ibope a pedido da Fundação Victor Civita (FCV).
O instituto ouviu 600 docentes em 13 capitais brasileiras, entre elas Porto Alegre. Um dos dados mais surpreendentes diz respeito à paixão dos professores - 73% deles afirmam que ensinar é um ato de amor. Outros 14% consideram estar contribuindo para uma sociedade melhor e 14% acreditam preparar os estudantes para o futuro. Já Maria Berenice vai além:
- Só penso nos meus alunos. Não sei se estou contribuindo para o país, mas estou ajudando a formar pessoas com valores, pessoas de bem.
A paixão com que os docentes brasileiros lecionam fica ainda mais evidente em outros números do estudo: quando colocados frente a frente com a afirmação "só fui dar aula porque não encontrei outro emprego", 79% disseram discordar totalmente. Em outro item da pesquisa, 72% se disseram apaixonados pela profissão.
Conselheiro do movimento Todos Pela Educação, Mozart Neves Ramos, professor de Química na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-secretário de Educação daquele Estado, fala por experiência própria:
- O magistério é como um vírus que está no sangue. Muito dessa paixão vem da grande oportunidade de formar pessoas. Isso empolga e torna os professores cegos em relação ao salário, à ausência de carreira. A grande questão é se, com a deterioração ao longo dos anos, esse sacerdócio não estaria sendo perdido.
A desvalorização da profissão foi citada por 69% dos docentes ouvidos pelo Ibobe. Insatisfação com salário e benefícios, desmotivação e indisciplina dos alunos e falta de participação por parte dos pais estão entre os desafios. Professor de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Fernando Becker diz que o resultado da pesquisa reflete a realidade:
- Vivemos em um processo de descuido com a Educação. Mas muitos professores não fariam outra coisa na vida, mesmo por melhores salários.
Diretora-executiva da Fundação Victor Civita, Angela Cristina Dannemann faz um alerta: todo o amor declarado pelos entrevistados também tem um lado ruim.
- Ainda há essa ideia um pouco mística de que ser um bom professor demanda amor e dom. É uma consequência do não reconhecimento da profissão de professor como uma profissão de fato. O professor ainda é confundido com um cuidador - resume.
(Carla Dutra - Zero Hora)
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