Estudo diz por que orientais são "iguais"

Ocidentais têm essa impressão porque o cérebro humano "dá bug" ao tentar reconhecer faces de outra etnia. Para orientais, difícil é diferenciar os europeus; as bases biológicas dessa dificuldade ainda eram desconhecidas

Não, os japoneses não são todos iguais. O que acontece, mostraram agora os cientistas, é que o "software" de reconhecimento facial do cérebro tem as suas limitações, e uma delas é patinar sempre que se depara com um rosto de uma etnia diferente.

Os pesquisadores selecionaram mais de 20 voluntários, metade de Europa e metade da Ásia. Mostraram a eles faces genéricas de orientais e ocidentais. Enquanto isso, observavam a sua atividade cerebral.

Perceberam que os voluntários decoravam com facilidade rostos de gente da mesma etnia que eles. Mas quando um europeu começava a observar faces orientais, logo se perdia e já não sabia dizer se um novo rosto era inédito ou não - e vice-versa.

Ao observar o que estava acontecendo no cérebro do coitado do europeu, perdido tentando lembrar se aquele chinês não era o mesmo que já tinha aparecido lá no começo, os cientistas notaram um significativo aumento na sua atividade neural.

É como se o cérebro do voluntário estivesse exigindo mais do "processador", sendo forçado a trabalhar mais para tentar encontrar alguma forma de conseguir reconhecer aquele sujeito na tela. Fosse um computador, o cérebro estaria esquentando. Com frequência, o esfoço extra acaba sendo em vão.

Esse fenômeno é perceptível especialmente em algumas áreas do cérebro ligadas ao reconhecimento facial, como o córtex extra-estriado. Assim, um japonês que nunca saiu do seu país, ao desembarcar, digamos, na Alemanha, vai achar todos aqueles loiros muito parecidos e se questionar como é que eles conseguem saber quem é quem no dia-a-dia.

A explicação evolutiva mais simples para esse bug cerebral passa pelo fato de que passear pelo mundo fazendo amigos é coisa recente. Por dezenas de milhares de anos, encontros com etnias diferentes eram muito raros. Só era necessário identificar gente parecida, e o cérebro se moldou para isso.

Chinatown

Roberto Caldara, neurocientista italiano da Universidade de Glasgow (Escócia) e autor do trabalho publicado na revista científica "PNAS", diz que é interessante notar como esse cérebro limitado se adapta às grandes cidades cosmopolitas do presente, com gente de todo tipo nas ruas.

"Se você for europeu, mas morar, digamos, em um bairro com muitos chineses, você vai ver muitos rostos orientais todos os dias. Mas, exceto se você tiver treinado seu cérebro para reconhecê-los no nível individual, tendo vários amigos chineses e sabendo diferenciá-los, você vai continuar achando todos muito parecidos."

Isso vale, então, diz, para São Paulo: para parar de confundir orientais (e irritá-los chamando, por exemplo, coreano de japonês), é necessário se entrosar socialmente - só passear no bairro da Liberdade não adianta.

Jean Charles foi vítima do "bug", diz cientista

Roberto Caldara, o responsável pelo estudo, diz que a dificuldade para reconhecer gente de outras etnias pode ter "consequências dramáticas". Ele cita o exemplo do estudante brasileiro Jean Charles de Menezes. Ele levou, em 2005, sete tiros da polícia da Londres no Metrô da cidade, antes que pudesse falar alguma coisa.

A polícia disse ter confundido Jean com um terrorista etíope naturalizado britânico, Hussain Osman, acusado de participar dos atentados ocorridos duas semanas antes na cidade, que tinham matado 52 pessoas.

"Esse caso ilustra uma experiência comum que temos com pessoas de outras etnias: elas parecem todas iguais, e aí acontecem erros de identificação assim."

Achando Jean igual a Osman ou não, claro, chegar atirando é um procedimento arriscado - por isso, diz Caldara, é importante que policiais tenham em mente que podem confundir facilmente gente de etnias com as quais não estão acostumados.

Ainda existem dúvidas na área de estudo de Caldara, porém. Provavelmente os resultados encontrados se repetiriam com outras etnias (negros, por exemplo), mas é necessário testar.

Além disso, os pesquisadores acham que pode ser interessante estudar como o cérebro reage quando exposto a faces mestiças. "Queremos saber exatamente também onde e como isso tudo acontece no cérebro", diz o cientista.

(Ricardo Mioto - Folha de SP)

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