Chute gravitacional

Fusão de galáxias expulsa buraco negro de seu núcleo

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Galáxia M83: colisão de três buracos negros ejetou um deles

Descoberta nos céus do hemisfério Sul em 1752 pelo astrônomo francês Nicholas Louis de la Caille, a galáxia espiral M83 é provavelmente a formação celeste mais bonita da constelação de Hidra. De seu centro amarelado brotam dois braços, pontuados por estrelas em tom azul e vermelho, que formam uma figura semelhante a um cata-vento de papel. Por ser muito luminosa e estar situada relativamente próxima à Terra, a cerca de 15 milhões de anos-luz, pode ser avistada com o auxílio de um bom binóculo. Embora os contornos da galáxia sejam realmente fascinantes, um grupo de astrônomos do Brasil, Argentina e Espanha resolveu examinar um aspecto mais oculto da M83: a natureza de suas principais fontes de raios X. A análise desse tipo de emissão levou os pesquisadores a afirmar que ali houve provavelmente um evento extremamente raro: um buraco negro, um tipo de objeto invisível e extremamente denso que captura matéria ao seu redor, teria sido ejetado ao se aproximar do núcleo da galáxia, onde outros dois buracos negros, maiores, estariam a caminho de iniciar um processo de fusão.

A expulsão do misterioso corpo celeste do centro da galáxia, também conhecida pelo nome de NGC 5236, seria decorrente das interações gravitacionais causadas pela inusitada tripla colisão. “O buraco negro menor se aproximou demais dos outros dois e sofreu um chute gravitacional”, diz o astrofísico Horacio Dottori, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), principal autor de um artigo publicado em 1o de julho na revista científica The Astrophysical Journal Letters em que propõe o cenário descrito acima. “Ele foi ‘estilingado’ para fora do núcleo óptico da galáxia a uma velocidade de algumas centenas de quilômetros por segundo.” As conclusões do estudo se baseiam numa nova análise de dados obtidos no ano 2000 pelo telescópio espacial Chandra, da Nasa, a agência espacial norte-americana, que detecta emissões de raios X vindas das regiões mais quentes do Universo. O satélite observou por 18 horas a M83, da qual produziu 150 imagens. Oito fotos flagraram o que parece ser a ejeção de um buraco negro da galáxia.

Os astrofísicos passaram a suspeitar de que o fenômeno acima poderia ter ocorrido devido às características de uma misteriosa fonte de raios X e de ondas de rádio situada numa região relativamente periférica da galáxia, um objeto denominado J133658.3−295105. Afastado cerca de 3.300 anos-luz do coração da M83 de acordo com medições feitas no telescópio Gemini (do qual o Brasil é sócio), distância cerca de oito vezes menor do que a da Terra ao centro da Via Láctea, o objeto foi aparentemente jogado para fora do coração da galáxia e criou uma espécie de rastro de emissões em alguns comprimentos de ondas. Embora um buraco negro não forneça diretamente nenhum sinal de sua presença, o chamado disco de acreção formado ao seu redor é tão quente (atinge milhões de graus Kelvin) que faz a matéria em via de ser engolida, gás e poeira interestelar, liberar enormes quantidades de energia, basicamente na forma de jatos de raios X.

A presença de grandes fontes de raios X nas proximidades de estrelas ou no centro das galáxias é, portanto, o principal indicativo de que por ali deve haver um buraco negro. O problema é que outros tipos de corpos celestes, como as estrelas de nêutrons e os quasares, também emitem raios X. Mas Dottori e seus colegas hispano-americanos estão convencidos de que o objeto J133658.3−295105 apresenta caraterísticas compatíveis com as de um buraco negro supermassivo. De acordo com seus cálculos, a massa do buraco negro ejetado do núcleo da M83 é cerca de 1 milhão de vezes maior do que a do Sol e equivale a um quinto da soma das massas dos dois buracos negros que se encaminham para a união no centro da galáxia. “Acreditamos que o buraco negro ejetado orbitará a galáxia por milhões de anos e seu disco de acreção vai capturar esporadicamente matéria do meio interestelar”, afirma Dottori, que usou em seu estudo simulações computacionais feitas pelo aluno de mestrado Guilherme Gonçalves Ferrari. “Dificilmente ele vai ser incorporado de novo pelo núcleo ativo da M83.”

Colisão tripla ou dupla – Hoje a maioria dos astrofísicos acredita que há no centro de praticamente toda galáxia, inclusive da Via Láctea, um buraco negro supermassivo, dotado de uma massa milhões ou até bilhões de vezes maior do que a do Sol. Quando duas ou mais galáxias colidem e iniciam suas interações para se fundir, um processo relativamente comum na história do Universo, também os seus respectivos buracos negros interagem para se unir. É nesse contexto, de união de galáxias, que um buraco negro pode ser expelido do coração do sistema.


(fASESP - Marcos Pivetta )

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