Anatomia flexível

De crescimento rápido, o bambu ganha novas formas e usos no Brasil
 
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Planta tem mais de 5 mil usos catalogados nos países orientais, que vão do broto comestível até pontes e prédios

Leve, flexível e ao mesmo tempo muito resistente, o bambu começa a ganhar cada vez mais espaço como um material que pode substituir em aplicações industriais a madeira usada na construção de móveis, entrar na composição da argamassa de cimento no lugar da areia ou, ainda, como elemento estrutural na construção civil. Além de ser um excelente sequestrador de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, que usa para a formação do seu tecido lenhoso, o bambu é um material renovável que, após a poda, continua a brotar anualmente sem necessidade de um novo plantio. Para cada hectare plantado, quase 10 toneladas de gás carbônico são absorvidas por ano. Entre as cerca de 1.300 espécies de bambu existentes no mundo, 19 são consideradas prioritárias, ou seja, efetivamente úteis para empregos diversos e com comprovado valor econômico.

No Brasil foram identificadas até agora 232 espécies nativas, das quais cerca de 80 são endêmicas – existentes apenas no país. Cada uma delas possui características químicas e físicas como diâmetro, espessura de parede e altura distintas, o que resulta em usos diferenciados. “De maneira incrivelmente rápida, a planta passa do estágio de broto comestível para alcançar, em poucos meses, até 30 metros de altura”, diz o professor Marco Antônio dos Reis Pereira, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, no interior de São Paulo, que desde a década de 1990, no seu projeto de mestrado, se dedica a estudar essa gramínea gigante.

Pereira escolheu como tema de estudo a utilização do bambu em um sistema de irrigação para pequenas áreas. A partir daí começou a plantar a gramínea no campus da Unesp e hoje possui uma coleção de 25 espécies, das quais 11 com valor econômico. “Todo ano consigo retirar mais de 400 colmos de bambu para utilização nas pesquisas”, diz Pereira, autor do livro Bambu de corpo e alma, escrito em parceria com o professor Antonio Ludovico Beraldo, da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lançado em 2007. O colmo é o caule cilíndrico característico das gramíneas, com nós e entrenós bastante visíveis, como no bambu e na cana-de-açúcar. Além de usar a matéria-prima na forma natural para construção de galpões e outras aplicações, as varas também são cortadas em pequenas ripas, coladas lateralmente, destinadas à fabricação de chapas utilizadas na construção de móveis, objetos de decoração, placas e pisos.

Anatomia da planta - “Nossos estudos são na área de design de produtos e também na parte de características física e mecânica das espécies, como tração, compressão, flexão, retração e inchamento”, diz Pereira, que também dá aulas no curso de design na pós-gra-duação da universidade. Em parceria com o professor Mário Tomazello Filho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, no interior paulista, Pereira desenvolve um dos 12 projetos financiados desde 2008 pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq) que têm como foco o estudo do bambu em suas mais diversas facetas. Tomazello, coordenador do projeto, dedica-se a pesquisas relacionadas à anatomia da planta.

“O Brasil não tem mais madeira de lei para fazer mobiliário, porque já avançamos sobre todos os biomas onde ela existia em grandes quantidades”, diz Pereira. A madeira de reflorestamento, proveniente de plantações de pinus e eucalipto, é a mais utilizada atualmente para essa finalidade. “Tudo o que se faz com a madeira é possível fazer com o bambu, porque os dois são parecidos quimicamente.” O que diferencia as duas matérias-primas é a anatomia – porque o bambu é oco. “Embora seja usado há milênios, o bambu é considerado o material do futuro, porque é uma planta de crescimento rápido e sequestra muito CO2 da atmosfera”, ressalta. Para transformar o eucalipto em produtos e estruturas é preciso esperar entre 20 e 30 anos, ante quatro anos necessários para o colmo da gramínea gigante ser considerado adulto – ou maduro –, com adequada resistência mecânica. Para o estabelecimento da cultura, uma moita de bambu leva de oito a 10 anos para se tornar adulta, conforme as condições de clima e solo. Nos países orientais, como China, Índia e Japão, a planta tem mais de 5 mil usos catalogados, que vão do broto comestível, produção de vinagre e cestos, até pontes, templos e prédios de cinco andares. A estrutura da cúpula do monumento indiano Taj Mahal, por exemplo, construído há quase 400 anos, foi feita de bambu. Uma das particularidades dessa planta é o fato de já nascer com o diâmetro que apresentará quando adulta.

Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o grupo de pesquisa liderado pelo professor Carlos Alberto Szücs, do Departamento de Engenharia Civil, também desenvolve um projeto com bambu laminado colado e tem como parceiros a empresa catarinense Oré Brasil, de Campo Alegre, e a Associação Catarinense do Bambu (BambuSC). A empresa, antes mesmo de o projeto ter início, fabricava móveis feitos com esse material, mas sentia necessidade de conhecer em detalhes o comportamento físico e mecânico do bambu gigante (Dendrocalamus giganteus) e do bambu-mossô (Phyllostachys pubescens) usado nas mesas e cadeiras que produzia. “Nós fazemos a parte de caracterização do bambu sob o ponto de vista do seu comportamento mecânico, ou seja, quanto o conjunto de lâminas coladas resiste em função dos diversos esforços a que a peça final possa ser submetida”, diz Szücs.

A empresa trabalha com finas lâminas, que passam por um processo de transformação até estarem prontas para uso. Depois de serem fatiadas e aplainadas longitudinalmente, são tratadas com ácido pirolenhoso – obtido pela condensação da fumaça proveniente da carbonização da madeira durante a produção de carvão vegetal – e, posteriormente, secas em uma estufa especial, de alto rendimento. “As lâminas são coladas umas às outras para produção do mobiliário”, diz Szücs. Esse processo permite a criação de peças leves e delgadas, bem diferentes dos móveis rústicos fabricados com as varas de bambu cortadas e amarradas. Em novembro do ano passado, três peças assinadas pelo arquiteto e diretor de design da empresa, Paulo Foggiato, conquistaram o primeiro lugar na categoria mobiliário no 23o Prêmio Design Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Entre elas a mesa Demoiselle, inspirada nas estruturas dos primeiros aviões criados por Santos-Dumont, um dos precursores no uso estrutural do bambu.

http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=4220&bd=1&pg=1&lg

(Dinorah Ereno - Fasesp)

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