Um grupo internacional de cientistas quer desenvolver um simulador para recriar tudo o que acontece na Terra --desde os padrões de clima global à disseminação de doenças, passando por transações financeiras internacionais ou os congestionamentos nas ruas de uma cidade
Batizado de LES (Living Earth Simulator, ou Simulador da Terra Viva), o projeto tem como objetivo ampliar o entendimento científico sobre o que acontece no planeta, encapsulando as ações humanas que moldam as sociedades e as forças ambientais que definem o mundo físico.
"Muitos problemas que temos hoje, incluindo as instabilidades sociais e econômicas, as guerras, a disseminação de doenças, estão relacionadas ao comportamento humano, mas há aparentemente uma falta de entendimento sobre como a sociedade e a economia funcionam", afirma Dirk Helbing, do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, diretor do projeto FuturICT que pretende criar o simulador.
Graças a projetos como o Grande Colisor de Hádrons, o acelerador de partículas construído na Suíça pela Cern (sigla francesa de Organização Européia de Pesquisa Nuclear), os cientistas sabem mais sobre o início do Universo do que sobre nosso próprio planeta, diz Helbing.
Segundo ele, necessita-se agora de um "acelerador de conhecimento", o LES, para agregar diferentes ramos do conhecimento. "A revelação das leis e dos processos ocultos pelas sociedades constitui o grande desafio mais urgente de nosso século", afirma.
Esse sistema colossal funcionaria com grandes quantidades de dados, cobrindo toda gama de atividades no planeta, explica Helbing. Ele também teria que ser movido pela montagem de supercomputadores que ainda não existem, mas seriam capazes de fazer cálculos em uma escala monumental.
Apesar de os equipamentos para o LES ainda não terem sido construídos, muitos dos dados para alimentá-lo já estão sendo gerados, diz Helbing --o projeto Planetary Skin (Pele Planetária), da Nasa (agência espacial americana), prevê a criação de uma vasta rede de sensores para coletar informações climáticas sobre o ar, da terra, do mar e do espaço.
Para completar, Helbing e sua equipe já começaram a identificar mais de 70 fontes de dados on-line que que possam ser usadas pelo sistema, incluindo Wikipedia, Google Maps e bases de dados governamentais.
O próximo passo seria criar uma base para transformar esse banco de dados em modelos que recriam com precisão o que está ocorrendo hoje na Terra. Isso só será possível com a coordenação de cientistas sociais, especialistas em computação e engenheiros para estabelecer as regras que definirão como o LES vai operar.
Segundo Helbing, esse trabalho não pode ser deixado para pesquisadores de ciências sociais tradicionais, que tipicamente trabalham por anos para produzir um volume limitado de dados. Também não é algo que possa surgir nos próximos anos --a tecnologia necessária para fazer funcionar o LES somente estará disponível na próxima década, observa Helbing.
O LES seria capaz de assimilar vasta quantidade de dados e, ao mesmo tempo, entender o que eles significam. Isso poderia ser possível com a maturação da chamada tecnologia de web semântica, diz Helbing.
Hoje, uma base de dados sobre poluição do ar seria percebida por um computador da mesma maneira que uma base de dados sobre transações bancárias globais --essencialmente apenas uma grande quantidade de números. Mas a tecnologia de web semântica será capaz de trazer um código de descrição dos dados junto com os próprios dados, permitindo aos computadores entendê-los dentro de seu contexto.
"Além disso, nossa abordagem sobre a coleta de dados deve enfatizar a necessidade de limpá-los de qualquer informação que se relacione diretamente a um indivíduo", explica Helbing.
Segundo ele, isso permitirá que o LES incorpore grandes quantidades de dados relacionados à atividade humana sem comprometer a privacidade das pessoas.
Uma vez que uma abordagem para lidar com dados sociais e econômicos em larga escala seja acertada, será necessário construir centros com supercomputadores necessários para processar os dados e produzir a simulação da Terra, diz Helbing.
A geração de capacidade de processamento para lidar com a quantidade de dados necessários para alimentar o LES representa um desafio significativo, mas está longe de ser um impedimento.
Para Peter Walden, fundador do projeto OpenHeatMap e especialista em análise de dados, se olharmos a capacidade de processamento de dados do Google, fica claro que isso não será um problema para o LES.
Apesar de o Google manter segredo sobre a quantidade de dados que é capaz de processar, acredita-se que em maio de 2010 o site usava cerca de 39 mil servidores para processar um exabyte (um quintilhão de bytes) de dados por mês --suficientes para encher dois bilhões de CDs por mês.
"[Se aceitarmos que apenas uma fração das] várias centenas de exabytes de dados sendo produzidos no mundo a cada ano seriam úteis para uma simulação do mundo, o gargalo do sistema não deverá ser sua capacidade de processamento", diz Warden.
Warden argumenta que simplesmente ter grandes quantidades de dados não é suficiente para criar uma simulação factível do planeta.
"A economia e a sociologia falharam consistentemente em produzir teorias com fortes poderes de previsão no último século, apesar da coleta de muitos dados. Eu sou cético de que grandes bases de dados farão uma grande mudança", diz. "Não é que não sabemos o suficiente sobre muitos dos problemas que o mundo enfrenta, mas é que não tomamos nenhuma medida a partir das informações que temos", argumenta.
Independentemente dos desafios que o projeto enfrenta, o maior perigo não é tentar usar as ferramentas computacionais que temos hoje e que teremos no futuro para melhorar nosso entendimento das tendências socioeconômicas, explica Helbing. "Nos últimos anos, tem ficado óbvio, por exemplo, que necessitamos de indicadores melhores que o Produto Interno Bruto (PIB) para julgar o desenvolvimento social e o bem-estar."
Helbing diz que o objetivo do LES é usar métodos melhores para medir o estado da sociedade, o que poderia então explicar as questões de saúde, educação e ambiente. "E por último, mas não menos importante, (as questões) de felicidade", acrescenta.
(BBC Brasil - Folha Online)
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