Pesquisador conclui que conjunto de pedras no interior do Amapá funcionou como calendário solar para os povos antigos. Comparado ao sítio arqueológico britânico, o local serviria para guiar a escolha dos períodos de plantar e colher
Um altar de pedras que funcionou como um calendário solar e foi de grande utilidade para civilizações que viveram há cerca de mil anos. O local, popularmente conhecido como "Stonehenge brasileiro", em alusão ao conjunto de pedras suspensas da planície de Salisbury, sul da Inglaterra, está localizado no interior do Amapá, próximo à cidade de Calçoene.
Um estudo desenvolvido pelo pesquisador do Observatório Nacional (ON) Marcomede Rangel constatou uma forte relação entre o lugar, também conhecido como sítio arqueológico Rego Grande, e o fenômeno natural do equinócio - momento em que o sol, visto da Terra, se desloca sobre a linha do Equador. A pesquisa contou com a ajuda de estudantes do curso técnico de turismo do Centro de Educação Profissional do Amapá (Cepa).
De acordo com Rangel, no equinócio, o Sol nasce a leste e se põe a oeste. E é justamente a passagem de um hemisfério ao outro que determina o início das estações primavera e outono.
"Nas civilizações antigas, era comum a construção de monumentos, a exemplo das pirâmides no Egito, que funcionavam como verdadeiros observatórios. Eles determinavam a posição correta do nascer ou do pôr do sol na época dos equinócios e também nos solstícios (verão ou inverno), quando o sol tem seu afastamento máximo da linha do Equador", destaca.
O sítio foi descoberto pelo naturalista e zoólogo alemão Emilio Goeldi no século passado. Anos mais tarde, o local foi estudado pelo casal de arqueólogos norte-americanos Cliffords Evans e Betty Meggers. Hoje, está sob total responsabilidade do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa).
As investigações de Rangel no sítio mostraram que as informações obtidas pelos povos antigos, por meio de duas pedras grandes posicionadas uma ao lado da outra, foram fundamentais para a determinação dos períodos de plantio, colheita, cheia ou estiagem, além, é claro, das datas comemorativas. Isso porque a projeção da luz do sol pela abertura existente numa das pedras, dando origem a uma bola de luz que se refletia diretamente na outra, se deslocava seguindo perfeitamente a linha do Equador, no caso, o fenômeno do equinócio.
O físico conta que os povos pré-colombianos também usaram o calendário solar, de forma a calcularem as estações. "Mas eles também se guiavam pela lua e por estrelas brilhantes, como é o caso de Sírius. A observação do movimento do Sol, da Lua e das estrelas era importante para isso", enfatiza.
O mapeamento feito pelo físico que trabalha há 40 anos no Observatório Nacional ainda não acabou. A intenção é encontrar outras relações entre o local e os fenômenos astronômicos. O estudo contou com a ajuda dos estudantes do Cepa, responsáveis pela instalação do teodolito (instrumento de medição), realização de medições com trena de 50m e coleta de outras informações.
Os resultados obtidos até o momento serão apresentados pelo físico no III Encontro Internacional de Astronomia e Austronáutica, no fim de abril, em Campos dos Goytacazes (RJ). Segundo Marcomede Rangel, também está prevista a publicação de um selo dos Correios, que homenageia o local.
Riquezas
O estudante do curso técnico de turismo do Cepa Cleuson Costa Fonseca, 25 anos, se sentiu honrado em ter contribuído para o trabalho. "Sou fascinado por essa área. O sítio arqueológico, para nós, é algo de extrema importância, um campo repleto de riquezas a serem desvendadas. Tive o privilégio de trabalhar num local pouco conhecido fora do nosso estado, mas muito bem cuidado", destaca o jovem, que definiu a estada no local e o contato com objetos tão antigos como algo "indescritível".
"Nosso trabalho foi basicamente de observação e coleta de dados. Achei importante não só a contribuição à pesquisa, mas também o fato de ter acompanhado de perto a metodologia de um pesquisador do Observatório Nacional", afirma o estudante, que atualmente se encontra na reta final do curso técnico.
O Iepa já vinha realizando estudos diversos, no local, desde 2006. Na época, os arqueólogos e coordenadores da instituição Mariana Petry e João Saldanha obtiveram a primeira autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para esse fim. Segundo Mariana, a relação do sítio Rego Grande com o solstício de dezembro já havia sido observada. "Mas, na nossa percepção, o sítio vai além disso", destaca.
É fato que o Stonehenge do Brasil, da mesma forma que o britânico, também deve ter sido especial em seu tempo, período em que foi palco de cerimônias repletas de oferendas, algumas de caráter astronômico. Com estrutura quase circular, o Rego Grande ou sítio arqueológico de Calçoene tem cerca de 30m de diâmetro. O trecho está situado entre os campos alagados do litoral e uma área de savana.
Além de pedras muito bem conservadas, o local ainda abriga riquezas que sobreviveram ao tempo, como algumas peças de cerâmica produzidas pelos povos antigos. O trabalho de construção do calendário gigante, segundo os historiadores, também exigiu um esforço enorme e muita organização por parte dos antigos moradores.
Segundo estudos, alguns dos blocos de pedra existentes no sítio chegam a pesar mais de 4 toneladas. Belezas naturais e uma quantidade significativa de história, reunidos num só lugar, fizeram com que o Amapá fosse considerado, hoje, o estado com ambiente natural menos afetado desde os tempos da colonização. Atualmente, 98% das florestas locais se mantêm preservadas. Além disso, cerca de 70% do território amapaense é considerado área de conservação.
(Gisela Cabral - Correio Braziliense)
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