Eletricidade do aperto

Pesquisadores desenvolvem material que gera energia elétrica quando pressionado

Evanildo da Silveira

Os irmãos Pierre e Jacques Currie, físicos franceses, descobriram em 1880 a propriedade que alguns materiais minerais têm de gerar corrente elétrica quando deformados por uma pressão mecânica, fenômeno que ganhou o nome de piezoeletricidade.

Essa descoberta originou várias aplicações comerciais, desde o luminoso da sola de tênis infantil até aplicações em equipamentos de ultrassonografia e de litotripsia, procedimento médico para quebrar pedras de rins ou vesícula. Mas em tempos de preocupações ambientais e energéticas um uso baseado na piezoeletricidade ganha corpo entre pesquisadores: o de produzir energia elétrica por meio de uma fonte inesgotável que não polui.

É o que vêm fazendo, por exemplo, dois professores da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O físico Walter Katsumi Sakamoto, do Departamento de Física e Química da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (Feis), e a química Maria Aparecida Zaghete Bertochi, do Departamento de Bioquímica e Tecnologia Química, do Instituto de Química (IQ) do campus de Araraquara, com apoio financeiro da FAPESP, estão trabalhando na criação de um material capaz de aproveitar a força mecânica gerada pelo tráfego de veículos em uma rua, por exemplo, para obter eletricidade. Trata-se de um filme, chamado tecnicamente de compósito, feito da mistura de um polímero com partículas nanométricas – medidas equivalentes a um milhão de vezes menores que um milímetro – de cerâmica, que pode ser colocado sob o asfalto e, ao sofrer uma pressão, se deforma gerando corrente elétrica.

O desenvolvimento da cerâmica nanométrica, que faz parte da película, está a cargo de Maria Aparecida. Ela lança mão de recursos nanotecnológicos, em escala de átomos e moléculas, para fazer o pó cerâmico que compõe o filme, o óxido cerâmico titanato zirconato de chumbo, mais conhecido pela sigla PZT – o P vem do nome do chumbo em latim, plumbum. Para desenvolver a nanocerâmica, Maria Aparecida utilizou um novo método de produção. Ela explica que a forma mais comum de obter o PZT era por meio do processo Pechini. “Nesse caso, utiliza-se a propriedade que os ácidos orgânicos, como o cítrico, possuem de formar complexos do tipo metal-ácido orgânico”, diz. “Esse complexo, quando associado a um álcool, se polimeriza formando poliéster, um polímero com alta viscosidade, que é decomposto em óxido por combustão, com temperaturas em torno de 500 a 800oC. Nessa temperatura conseguimos cerâmica nanométrica. No caso do PZT, usamos para síntese da cerâmica citratos de zircônio, titânio e chumbo.”

Pressão e volume - A novidade utiliza a chamada síntese hidrotérmica, que teve parâmetros otimizados no estudo de Maria Aparecida, com sais ou óxidos de zircônio, titânio e chumbo que são misturados em meio aquoso, ao qual é adicionada uma base mineralizadora (hidróxido de sódio ou potássio). A seguir a mistura é submetida a aquecimento por micro-ondas num recipiente de teflon fechado por 30 minutos a 180oC. “A vantagem desse processo é que, usando temperatura baixa e tempo curto, se obtêm partículas cerâmicas com ótimo arranjo cristalino, o que é importante, porque a propriedade piezoelétrica depende disso”, explica a pesquisadora. “Além disso, não libera chumbo por evaporação.” Essa cerâmica nanométrica produz energia porque apresenta uma assimetria no seu centro de cargas, gerando uma polaridade espontânea dentro da estrutura do material. Para ser piezoelétrico, o material deve ter a estrutura cristalina na forma de um cubo um pouco deformado. “Quando se aplica uma pressão sobre o material, como um carro passando por cima ou a pisada de uma pessoa, o seu volume é instantaneamente reduzido”, diz. “Isso aumenta a densidade de carga dentro dele, provocando a saída de elétrons por fios, que são conectados à cerâmica. Esses elétrons podem ser usados para acender uma lâmpada, por exemplo.”

A cerâmica nanométrica isoladamente é capaz de gerar energia, mas há alguns inconvenientes. Ela é frágil, cara e tem pouca flexibilidade. Vencer esses obstáculos é justamente o trabalho do professor Sakamoto. “Estamos buscando um material mais flexível e barato”, diz ele. “No momento desenvolvemos um compósito polímero-cerâmica, que é um material composto de polímeros e PZT.” Para isso, Sakamoto mistura o pó cerâmico com o polímero, também na forma de pó. Essa mistura é prensada na temperatura de fusão do polímero utilizado para se obter o filme. Os dois pesquisadores têm testado compósitos com 30%, 40% e 50% de cerâmica e o restante de polímeros. Os mais usados nas pesquisas são o polifluoreto de vinilideno (PVDF), que se funde a cerca 180oC, e o poliéter-éter-cetona (PEEK), cuja temperatura de fusão é por volta de 360oC. “Assim, ao se utilizar uma matriz polimérica, à qual se mistura a cerâmica, ganha-se em resistência ao choque mecânico, em flexibilidade e formabilidade (pode se dar a forma que se quiser ao compósito)”, explica Sakamoto. “Também há uma vantagem econômica. Ao se optar pelo compósito, usa-se uma menor quantidade de cerâmica e torna-se possível estudar diferentes matrizes de forma a melhorar a atividade piezoelétrica do filme.”

O primeiro filme desenvolvido por Sakamoto e Maria Aparecida era pequeno, medindo 2 centímetros (cm) por 1 cm, e a sua capacidade de gerar energia foi comprovada em laboratório. Sakamoto colocou o novo compósito, conectado a um LED (diodo emissor de luz, na sigla em inglês), entre duas placas de acrílico. Ao pressioná-las, o LED acendia. Mas, dependendo do tamanho do filme, a energia gerada pode ser muito maior. “Sabe-se pela literatura científica que uma pessoa de 60 quilos produz em média 0,1 watt a cada passo”, diz Sakamoto. Outros dados vêm de Israel, país que tem investido muito nessa linha de pesquisa. Lá foram feitas experiências que mostram que um quilômetro de pista rodoviária de movimento intenso com material piezoelétrico pode gerar 200 quilowatts (kW), potência suficiente para abastecer uma casa por um mês. Maria Aparecida e Sakamoto estão testando agora filmes com dimensões um pouco maiores, de 7 por 7 cm, para saber qual a tensão elétrica que se consegue obter. “Queremos saber se é possível carregar com esse material uma bateria tipo AAA, conhecidas como pilhas palito, usadas em dispositivos como controles remoto, e se é preciso colocar alguns filmes em série ou em paralelo para se obter mais tensão ou mais corrente”, revela Sakamoto. “Dependendo do resultado, a utilização comercial é uma simples consequência."

http://www.revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=4129&bd=1&pg=1&lg=

Fasesp

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