Um estudo feito por pesquisadores do Programa Biota-FAPESP resultou na identificação de uma nova área de endemismo na Floresta Atlântica para a ordem Diptera – que engloba mosquitos e moscas.
A nova área ocupa a parte sudoeste da Floresta Atlântica, que vai do oeste do Estado de São Paulo até o sul de Goiás, oeste de Minas Gerais e leste do Mato Grosso do Sul. Ao traçar o mapa de distribuição das espécies encontradas na Floresta Atlântica do interior, chamadas de florestas estacionais semideciduais, os pesquisadores perceberam que grande parte dos dípteros identificados eram diferentes em relação aos da Serra do Mar.
O coordenador da pesquisa, Dalton de Souza Amorim, professor do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, ressalta que as diferenças fisionômicas são conhecidas – sabe-se, por exemplo, que a Floresta Atlântica do interior é mais seca que na Serra do Mar.
“Mas o que estamos descobrindo é mais do que isso. A Mata Atlântica no interior tem uma composição de espécies – pelo menos para dípteros – muito diferente. Ou seja, apesar da continuidade do bioma, as espécies encontradas no interior não são as mesmas da Serra do Mar e vice-versa. Para alguns grupos, são faunas completamente distintas”, disse à Agência FAPESP .
Uma possível explicação para as diferenças na composição de espécies é que elas teriam sido geradas por barreiras que existiram entre essas áreas ao longo do tempo. Como os insetos não trocaram genes, acabaram se diferenciando em uma escala de alguns milhões de anos.
Os resultados da pesquisa fazem parte do projeto intitulado “Limites geográficos e fatores causais de endemismo na Floresta Atlântica em Diptera (Insecta)”, coordenado por Amorim, com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático, inserido no Programa Biota-FAPESP.
Outro resultado importante é que, entre os milhares de insetos coletados, há uma estimativa de que cerca de mil são de novas espécies apenas de Diptera. Dessas, cerca de 42 espécies, pertencentes a oito famílias, já foram publicadas. Entre as espécies ainda por serem publicadas, uma delas é de um gênero ainda por ser descrito.
A descoberta de um número tão alto de espécies desconhecidas é extremamente relevante para qualquer grupo taxonômico, mas a amostragem ainda é limitada. “Não me surpreenderia se novas coletas intensivas em toda a área de cobertura da Floresta Atlântica quadruplicassem o número de espécies novas nos próximos anos”, ressaltou Amorim.
O grupo deu os primeiros passos no esforço de identificar quais são as áreas de endemismo para os dípteros. “Queríamos saber quantos são, onde estão e quais são os limites geográficos entre as áreas de endemismo. E, se possível, qual a história geológica que resultou na sua divisão, que é um dos problemas científicos subjacentes ao projeto”, disse.
Nessa primeira fase – que durou cinco anos –, todo o material começou a ser separado e identificado. “Isso dá um enorme trabalho. Cada frasco com amostras demora uma semana ou mais para ser colocado em nível de família. Outra frente envolve a identificação das espécies, com a descrição das novas e a redescrição de espécies descritas no século 19 e início do 20, e que apresentam apenas informações sumárias, sem fotos ou desenhos”, explicou.
Os pesquisadores coletaram amostras em áreas que vão do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte. No interior de São Paulo, as amostras foram colhidas nas regiões de Teodoro Sampaio, Assis, Ribeirão Preto, Sertãozinho, Batatais e Matão. No sul de Minas Gerais, os locais focados foram Cabo Verde, Bandeiras, Delfinópolis e Presidente Olegário.
Perigo no interior - A pesquisa traz resultados surpreendentes, mas igualmente preocupantes, pois destacam que as florestas de interior estão em estado de ameaça muito mais grave do que a Serra do Mar.
“Se a fauna no interior fosse a mesma da Serra do Mar, não haveria problema maior, mas com uma composição em alguns casos 100% diferente entre as duas áreas, as reservas biológicas na Serra do Mar são ineficazes para proteger a diversidade das florestas no interior. A proteção na Serra do Mar é grande, mas as florestas de interior estão extremamente ameaçadas devido às culturas da cana-de-açúcar, da soja e da laranja. A monocultura praticamente dizimou essas florestas”, disse Amorim.
O pesquisador destaca que os programas de proteção dos ambientes naturais no interior precisam ser diferentes dos programas existentes para o litoral. Segundo ele, a redução de extensão das poucas manchas de florestas do interior implica em empobrecimento dessas áreas, uma vez que, por motivos ecológicos, em muitas espécies as populações só se mantêm em áreas maiores de floresta.
Amorim destaca que essa diferença de composição de espécies entre áreas diferentes da Floresta Atlântica mostra o quanto ainda não se tem uma noção mais detalhada da regionalização da fauna brasileira.
“Conhecer a distribuição dessas faunas pode ajudar a apontar em que áreas as reservas biológicas devem ser colocadas. É evidente que há enorme urgência na criação de reservas de florestas no interior”, destacou.
Extensão da fauna - O Projeto Temático coordenado por Amorim tem ajudado a compor uma radiografia sobre a biodiversidade brasileira de Diptera, em particular no Estado de São Paulo. Como resultado, o grupo – que conta com a participação de outros seis pesquisadores de universidades paulistas – lançou em 2008 o Manual of Neotropical Diptera, um novo periódico científico, com versão on-line e de acesso livre (www.neotropicaldiptera.info) e impressa, para distribuição em bibliotecas e institutos de pesquisa no Brasil e em outros países.
Segundo Amorim, a estrutura dos ambientes florestais é muito complexa e o estudo da biodiversidade envolve a decodificação dessa complexidade. Não é apenas um projeto de inventariamento de espécies. “Ainda há uma visão ingênua sobre a biodiversidade, no sentido de se pensar que as espécies estão distribuídas homogeneamente ao longo de toda a Floresta Atlântica”, disse.
“Ainda que haja um volume impressionante de dados taxonômicos como subproduto do projeto, os objetivos gerais não seriam alcançados se não se produzissem inferências biogeográficas sobre a Floresta Atlântica”, ressaltou.
Os pesquisadores tinham dúvidas, por exemplo, sobre a composição da fauna de dípteros do sul de Minas Gerais. “A fauna do sul de Minas é uma extensão da fauna de Santa Catarina e do Paraná. O mapa detalhado com os limites das áreas de endemismo que conseguimos montar é resultado de um longo processo de acúmulo da informação taxonômica produzida em muitas décadas”, disse.
Segundo Amorim, o projeto permite que essas inferências sejam refeitas a partir de uma enorme quantidade de dados, que dão solidez às conclusões. “O Biota-FAPESP possibilita uma compreensão estrutural da diversidade desses ambientes”, disse.
Também participaram do projeto 25 alunos de graduação, de pós-graduação e de pós-doutoramento, além de pesquisadores dos Estados Unidos e Austrália. Em cinco anos, o grupo publicou cerca de 150 trabalhos científicos.
(Fonte: Agência Fapesp)
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