Cientistas aceleram evolução de vírus para exterminá-lo

A evolução é a arma secreta do vírus. Ele pode rapidamente trocar de disfarce para escapar de nosso sistema imunológico e se tornar resistente a medicamentos antivirais.

Porém, alguns cientistas estão virando essa arma secreta contra os próprios vírus. Eles esperam curar infecções forçando os vírus a evoluírem até sua própria extinção.

Vírus podem evoluir graças aos erros que cometem ao se replicar. Todos os seres vivos podem sofrer mutações, mas os vírus são especialmente inclinados a esses erros genéticos. Na verdade, algumas espécies de vírus sofrem mutações centenas de milhares de vezes mais rápido que os seres humanos.

Muitas das mutações que atingem os vírus são fatais. Outras apenas desaceleram seu crescimento, e outras não surtem efeito algum. Algumas mutações são benéficas, e os vírus que as herdam podem rapidamente dominar uma população viral.

O vírus da pólio, por exemplo, entra no corpo pelos intestinos e dali parte para a corrente sanguínea, os músculos e, em uma pequena parte dos casos, o sistema nervoso.

Toda vez que o vírus chega a um novo tipo de tecido, a seleção natural favorece os mais preparados para crescer ali. "O vírus precisa ter essa flexibilidade genética para se adaptar a seus ambientes", disse Raul Andino, virologista da Universidade da Califórnia, em São Francisco.

No entanto, se a taxa de mutação de um vírus fica alta demais, segundo sugerem estudos matemáticos, ele irá sofrer. "A maioria das mutações é ruim", disse Claus Wilke, biólogo evolucionário da Universidade do Texas. "Dessa forma, ao aumentar a quantidade de mutações, você pode reduzir o número de boas proles".

A prole defeituosa se reproduz mais devagar que seus ancestrais. Com o acúmulo de diversas mutações, os vírus não conseguem mais substituir sua quantidade; toda a população desaparece.

Se aumentar as taxas de mutações pode exterminar os vírus, isso significa que um medicamento causador de mutações poderia curar um caso de gripe? "Já se pensa nessa ideia há vários anos", disse Louis Mansky, virologista da Universidade de Minnesota.

HIV

Uma década atrás, cientistas começaram a conduzir experimentos que sugeriam que a ideia poderia funcionar. Em um estudo, Lawrence Loeb, geneticista da Universidade de Washington, e colegas erradicaram o HIV in vitro aplicando um medicamento causador de mutações a células infectadas.

Relatando seus resultados, o grupo de Loeb apelidou esse tipo de ataque de "mutagênese letal".

Inicialmente, a mutagênese letal conquistou muitos cientistas por parecer uma maneira radicalmente nova de combater vírus. Porém, dez anos após seus sucessos iniciais, a mutagênese letal não chegou às farmácias. Cientistas tiveram de lutar com questões difíceis sobre a segurança e eficácia da prática.

"Isso é algo comum na pesquisa biomédica", disse Mansky. "Pessoas têm ideias, mas então aparecem as barreiras na estrada e a empolgação se esvanece".

Uma barreira na estrada foi o fato de que muitos dos remédios usados pelos cientistas para causar a mutagênese letal eram tóxicos demais para ministrar aos pacientes. E havia também algo inerentemente arriscado a respeito da própria ideia da mutagênese letal.

Afinal, um medicamento que acelera mutações num vírus pode, da mesma forma, acelerar mutações nas células do hospedeiro. Como resultado, a mutagênese letal poderia concebivelmente aumentar o risco de câncer.

Resistência

Outro problema com a mutagênese letal é que os vírus podem ser capazes de desenvolver resistência a ela. Alguns estudos sugerem que vírus podem evoluir de forma que medicamentos causadores de mutações não interfiram neles.

Andino e seus colegas descobriram outro tipo de resistência no vírus da pólio: eles ficam mais cuidadosos. Esses subtipos resistentes possuem uma taxa de mutação mais baixa, pois suas enzimas cometem menos erros ao construir novos genes. "As enzimas levam mais tempo em cada passo", disse ele.

Um novo artigo, a ser publicado no jornal "Genetics", mostra exatamente o quanto a mutagênese letal continua sendo misteriosa. Pesquisadores da Universidade do Texas tentaram usar a mutagênese letal para eliminar um vírus chamado T7, que infecta apenas a bactéria E. coli.

Os cientistas conhecem muito bem o T7 graças a duas décadas de detalhada pesquisa sobre o vírus. Eles conseguiram realizar previsões precisas sobre os efeitos de um medicamento que eleva mutações.

Todavia, o T7 não regrediu conforme haviam previsto. Depois de evoluir por 200 gerações na presença do medicamento, os vírus acabaram se replicando 90% mais rápido do que seus ancestrais.

James Bull, co-autor do novo estudo, acredita que isso mostra o quão inesperada pode ser a evolução de vírus sob a mutagênese letal. Se a evolução poderia ou não representar um risco aos pacientes, isso permanece uma questão aberta. "Estou em cima do muro em afirmar se isso é realmente um problema", disse Bull. "Mas acho que vale a pena examinar mais a fundo".

Apesar desses desafios, inúmeros pesquisadores veem motivo para otimismo na mutagênese letal. Mansky, por exemplo, se animou com estudos dos últimos anos, que revelaram como nossos próprios corpos usam um tipo natural de mutagênese letal.

Efeitos colaterais

As pessoas produzem proteínas, conhecidas pelo acrônimo APOBEC, que combatem infecções do HIV. Elas o fazem adicionando mutações aos vírus à medida que eles se replicam. "Para mim foi importante", disse Mansky. "Aquilo mostrou que as células desenvolveram um mecanismo para se defender de vírus usando a mutagênese letal".

Nos últimos anos, Mansky tem tentado superar um dos grandes obstáculos com a mutagênese letal: efeitos colaterais tóxicos. Em novembro, ele e seus colegas relataram ter acabado com o HIV de células infectadas com um medicamento chamado 5-AZC. Ele escolheu a droga para testar porque os médicos a prescrevem regularmente para doenças pré-cancerosas do sangue.

Outros cientistas acreditam que serão capazes de encontrar soluções para os outros problemas da mutagênese letal. Uma forma de evitar o risco de câncer, por exemplo, seria criar remédios que interferem somente com vírus em replicação, mas não com células hospedeiras.

Para eliminar a ameaça de vírus em evolução, Wilke, da Universidade do Texas, aconselha um ataque rápido e brutal. "Se você atingir o vírus com força e tudo morrer em poucas gerações, então está tudo bem", disse.

A mutagênese letal seria capaz de atingir os vírus com ainda mais força, argumenta Wilke, se for parte de uma combinação de dois golpes. Ele aponta estudos como o que foi publicado em Madri em novembro último, por Estaban Domingo, da Universidade Autonomous, e colegas.

Inicialmente, Domingos tratou vírus do pé e da boca com um medicamento que desacelerava seu crescimento. Quando a população encolheu, ele e seus colegas deram aos vírus um segundo medicamento, para desencadear a mutagênese letal. Os vírus desapareceram de forma muito mais rápida quando os cientistas usaram apenas a mutagênese letal.

Para Domingo, que estuda as taxas de mutação em vírus há mais de três décadas, os últimos resultados sugerem que a mutagênese letal se tornará uma realidade médica – pelo menos algum dia.

"Na verdade, ainda estamos na metade do desenvolvimento de todas essas estratégias", disse ele. "Mas estou otimista de que isso pode ser feito".

(Fonte: G1)

Postar um comentário

0 Comentários