Submersa em modo stand-by


Árvore da Amazônia adaptada à várzea economiza energia para sobreviver a alagamentos constantes de até cinco meses ininterruptos - Marcos Pivetta

Por que algumas plantas conseguem viver quase metade do ano em meio à escuridão líquida, totalmente submersas pelas cheias dos rios da Amazônia, enquanto outros exemplares da mesma espécie não resistem sequer duas semanas embaixo d’água? Depois de comparar sementes e mudas de uma perfumada árvore da Região Norte, a sucuuba (Himatanthus sucuuba), obtidas em zonas inundadas de várzea e em áreas secas de terra firme nos arredores de Manaus, uma equipe nacional de botânicos e ecólogos encontrou uma série de pistas que ajudam a entender esse enigma evolutivo.

Embora apresentem aparência externa idêntica à de suas irmãs encontradas nas porções não alagáveis da floresta, as plantas da várzea desenvolveram uma forma particular de armazenar e gastar energia que lhes garante a sobrevivência nesse ambiente duplamente hostil à maioria dos vegetais, sem luz e com escassa quantidade de oxigênio.

Provavelmente como resultado de um longo processo adaptativo que permitiu sua proliferação à beira dos rios, as sucuubas instaladas nas margens alaga­diças armazenam cerca de 30% mais carboi­dratos em suas raízes e con­­­somem os açúcares que lhes servem de combustível de maneira mais econômica do que as plantas oriundas da área seca.
Apesar de serem constituídas das mesmas reservas químicas, as sementes de sucuuba da várzea e as de terra firme apresentam concentrações díspares desses compostos – e essas desigualdades também ajudam a explicar por que apenas as primeiras não perecem no meio liquido. As sementes originárias das áreas alagadas são mais duras (têm uma quantidade maior de polissacarídios que formam sua parede celular) e se mostram quase impermeáveis. “Se, do ponto de vista da morfologia, as árvores que vivem nesses dois ambientes distintos são iguais e pertencem à mesma espécie, podemos dizer que, fisiologicamente, elas já se comportam como se fossem duas espécies diferentes”, diz a botânica Cristiane Ferreira, da Universidade de Brasília (UnB), primeira autora de um artigo científico publicado sobre a planta, informalmente chamada de jasmim da Amazônia por ter flores e aromas semelhantes aos do jasmim, na edição de novembro da revista Annals of Botany. “Flagramos a sucuuba no meio do processo de especiação”, afirma a ecóloga Maria Teresa Fernandez Piedade, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), de Manaus, outra autora do estudo. “E é provável que o mesmo esteja ocorrendo com outras espécies da região que também estão adaptadas a diferentes ambientes.” Análises genéticas preliminares ainda indicam que o DNA das duas variedades tende ao distanciamento.
A sucuuba – uma árvore que chega a durar 70 anos, atinge na idade adulta 25 metros de altura, a cujo látex se atribuem propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e vermicidas­ – está longe de ser a única planta que se desenvolve tanto em áreas secas como inundadas da Amazônia. Os especialistas estimam que cerca de 30% das espécies de várzea também ocorrem em terra firme. Mas a planta é um caso extremo de adaptação, ideal para um estudo que tenta entender os mecanismos que possibilitam a sobrevivência de vegetais em zonas alagadas. “Garimpamos uma espécie bem emblemática dessa questão”, comenta Maria Teresa. Seu hábitat por excelência é o mais extremo em termos do contato com o meio líquido, a várzea baixa, colada às margens dos rios, justamente o primeiro ponto a sentir os efeitos das cheias e o último a se livrar delas. Nessa região, as águas inevitavelmente avançam sobre as bordas dos rios, mesmo em anos pouco chuvosos, diferentemente do que se passa na várzea alta, onde nem sempre há alagamentos e, quando há, sua extensão e duração são menores.

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