Barragem traz risco de extinção a peixe em Minas Gerais

A última população viável de um peixe que já habitou boa parte dos rios de Minas Gerais e Espírito Santo pode ser destruída pela ampliação de uma hidrelétrica, afirma um biólogo da UFV (Universidade Federal de Viçosa). Se a obra for adiante, será apenas questão de tempo até que a espécie suma do mapa, diz o pesquisador.
O bicho em questão é o surubim-do-doce (Steindachneridion doceanum), um peixe de couro que pode ultrapassar os 20 kg e chegar a 1 m de comprimento. Como o nome popular do animal indica, ele já foi comum em toda a bacia do rio Doce, da qual é endêmico (ou seja, existe nesses rios e em nenhum outro lugar).
Não é a primeira vez que um bagre se coloca no caminho de uma usina. A construção de hidrelétricas no rio Madeira também foi questionada por causa da ameaça a outro peixe de couro, a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii). Mas a situação do surubim-do-doce é bem mais dramática, diz Jorge Abdala Dergam, da UFV. "Em Ponte Nova (município em que a ampliação da hidrelétrica pode acontecer), no rio Piranga, a população parece viável. Volta e meia há capturas, vemos (animais) juvenis. Mas as outras três populações que existem no rio Santo Antônio já estão funcionalmente extintas", afirma Dergam.
Ambos os rios são afluentes do Doce. Contudo, enquanto o Piranga ainda possui um trecho considerável em que há correnteza forte, profunda e com fundo rochoso, o rio Santo Antônio teve o território tradicional do peixe reduzido ao que Dergam chama de "aquários". "Os surubins que ainda existem lá estão em poços de 30 m de comprimento, isolados por praias extensas. Tem areia demais na calha do rio e, na seca, a coluna d'água chega a ter só uns 10 cm", diz o biólogo.
Se a ampliação da usina Brito, uma PCH (Pequena Central Hidrelétrica), avançar como planejado, o trecho do rio Piranga que é crucial para a espécie será inundado, acabando com o habitat do bicho, avalia Dergam. Isso porque o animal depende de tocas rochosas no leito fluvial, as quais serão soterradas pelo sedimento que vai cobrir o fundo do futuro reservatório com o tempo.Ao que tudo indica, não haveria esperança de recuperação para a espécie em outros locais. Além de estar localmente extinto no Espírito Santo, o bicho desapareceu até da memória coletiva dos pescadores de Aimorés (MG): hoje, eles chamam de "surubim-do-doce" um peixe que na verdade é híbrido de duas outras espécies.Lei sob risco - O surubim-do-doce está listado no "Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção", do Ministério do Meio Ambiente, como espécie "extremamente rara". Uma lei municipal promulgada no ano passado declarou o trecho do rio Piranga que passa por Ponte Nova monumento natural, o que impediria a ampliação da hidrelétrica. No entanto, a atual administração pretende alterar a lei em favor da obra.O estudo de impacto ambiental sobre a a ampliação da usina diz que a construção de escadas na barragem manteria a população do peixe viável. Dergam, porém, diz que a medida não funcionou em outros locais. Procurada pela Folha, a Prefeitura Municipal de Ponte Nova não se manifestou sobre a questão.
Outro lado - A empresa Novelis, que deverá ser responsável pela ampliação da usina Brito em Ponte Nova, declarou à Folha, em nota oficial, que sua atuação na obra será pautada pelo EIA (estudo de impacto ambiental) produzido para avaliar o projeto. "O EIA trata com prioridade a questão da presença do surubim-do-doce no trecho do empreendimento (...) e propôs medidas ambientais específicas para o monitoramento da espécie", afirma a Novelis.
A empresa diz que discorda da avaliação de que a presença de escadas na barragem não vai ajudar o peixe. "O EIA apontou a necessidade de um mecanismo tipo escada com ranhuras verticais para a transposição dos peixes. Estudos no Brasil e no exterior mostram que esse tipo de escada proporciona um fluxo de água mais próximo das condições naturais do rio."
(Fonte: Reinaldo José Lopes/ Folha Online)

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