Sono esclarecedor

Pesquisa sobre a hibernação de uma espécie de lagarto pode ajudar a ciência a compreender melhor problemas como o envelhecimento precoce e a isquemia
Gisela Cabral escreve para o "Correio Braziliense":

O que a hibernação dos animais tem a ensinar sobre o homem? A pergunta pode parecer absurda, mas a verdade é que o estudo sobre como o organismo de algumas espécies reage ao fenômeno pode apontar pistas importantes sobre o funcionamento do corpo humano.

Prova disso é uma pesquisa desenvolvida na Universidade de Brasília (UnB) sobre o tempo de descanso do lagarto teiú (Tupinambis merianae), que abre possibilidades para pesquisas futuras em várias áreas, como estudos sobre o envelhecimento e a isquemia, interrupção temporária da respiração que pode causar danos cerebrais.

Ao estudar o lagarto, os cientistas descobriram que, durante o período de reclusão, ele reage de maneira particular à grande formação de radicais livres - substâncias que, em excesso, podem levar à degeneração celular e apresentar relação com diversos problemas, entre eles o envelhecimento precoce, alguns tipos de câncer, a artrite e o mal de Parkinson.

No estudo, foi comprovado que o réptil não sofre o chamado estresse oxidativo, resultado direto da produção exagerada dessas substâncias, tendo um retorno à vida normal menos desgastante que o da maioria dos animais que hibernam.

Durante a hibernação - período que, para o teiú, dura de três a cinco meses por ano - o metabolismo do lagarto sofre uma enorme queda de atividade, resultando na diminuição da produção de enzimas antioxidantes e de radicais livres.

"Por outro lado, o organismo dos outros animais hibernantes, como certos mamíferos e anfíbios, precisa produzir grandes quantidades de substâncias antioxidantes para combaterem os piores efeitos dessas substâncias", afirma Alexis Welker, responsável pelo estudo e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Numa outra frente, o pesquisador analisou os efeitos do estresse oxidativo no organismo do réptil, porém, numa situação de privação alimentar. Segundo ele, esse foi o grande diferencial da pesquisa.

"Ao contrário da hibernação, em jejum, o organismo do animal sofre todas as consequências dos danos oxidativos. Isso mostra que a baixa no metabolismo só acontece quando eles se encontram em estado letárgico", esclarece Welker, que durante dois anos analisou amostras de intestinos de teiús cedidas pelo Departamento de Zoologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Respiração

O lagarto pode também fornecer pistas sobre como lidar melhor com quadros de isquemia. "A interrupção parcial da atividade respiratória seguida de retorno repentino, a chamada isquemia seguida de reperfusão, pode causar danos cerebrais intensos e até levar o indivíduo à morte. Ela também leva ao excesso de formação de radicais livres. Mas hibernantes como o teiú, por resistirem bem a essas situações, podem nos ensinar a evitar os problemas advindos de falhas no fornecimento de oxigênio", exemplifica o pesquisador.

Diversos estudos mostram a forma como as espécies lidam com a hibernação. Esquilos e sapos, comuns em regiões do hemisfério norte, são exemplos disso. Welker usou alguns levantamentos prévios e os comparou com os dados colhidos sobre o teiú, como a pesquisa a respeito dos esquilos-do-ártico (Spermophilus parryii) feita por seu orientador, o biólogo da UnB Marcelo Hermes-Lima.

O comportamento metabólico do animal durante o fenômeno impressiona. Sua temperatura, por exemplo, pode chegar a 2oC negativos, quando hiberna, e a 37oC, depois de desperto. "Já o réptil (teiú) não manifesta essa variação, apresentando praticamente a mesma temperatura do local onde foi estudado, cerca de 17oC", compara Lima.

De acordo com o responsável pelo Departamento de Zoologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Denis Andrade, diversas espécies de répteis hibernam nas estações desfavoráveis do ano, normalmente naquelas caracterizadas por baixas temperaturas. A estratégia, portanto, permite que haja uma grande economia de energia, pois, durante o período de inatividade, o metabolismo é bastante reduzido.

"Os teiús hibernam em tocas escavadas no solo. Durante esse período, eles não se alimentam, mas se valem das reservas de gordura acumuladas durante o período de atividade", explica.
(Correio Braziliense, 18/9)

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