Grupo acha influenza entre pinguins na Antártida; região entra na lista de potenciais berçários de cepa agressiva.
Eduardo Geraque escreve para a "Folha de SP":
O pobre pinguim é cuidadosamente agarrado. Depois, tem um cotonete enfiado em sua traqueia e outro na cloaca pelo pesquisador insensível em busca de material de trabalho. Mas pior que o método é o diagnóstico: em plena Antártida, o pinguim está com o vírus da gripe.
"Temos a primeira evidência de que o influenza está circulando entre pinguins na Antártida", diz Edison Durigon, da Universidade de São Paulo. Um dos principais virologistas do país, Durigon coordena um grupo de caçadores de vírus perigosos que monitora aves e mamíferos desde a Amazônia até as ilhas subpolares.
Seus novos dados, ainda não apresentados à comunidade científica, indicam que a presença do influenza nesta região é alta. "Entre 8% e 10%", em uma população investigada de cem bichos, diz o cientista. Normalmente, em outras comunidades de aves já analisadas longe do continente gelado, a ocorrência do mesmo vírus costuma girar ao redor de 1%.
Em tese, pinguins com o vírus da gripe na Antártida não deveriam ser motivo de preocupação, ainda mais quando o Brasil está no meio de uma pandemia de influenza H1N1 que já matou mais de 400 seres humanos. Essas aves, afinal, estão confinadas ao oceano Austral -diferentemente dos pinguins do litoral argentino, que migram para o Brasil todo ano e que também tiveram diagnóstico positivo para o vírus.
Para completar, nenhum dos pinguins antárticos "gripados" estudados pelo grupo da USP teve sintomas da doença.
O problema é que a população humana na Antártida só aumenta, tanto por causa dos cientistas quanto devido ao crescimento do turismo na região. Só no verão de 2008/ 2009, quase 40 mil turistas visitaram o continente, segundo dados da Iaato (Associação Internacional de Operadores de Turismo na Antártida).
Isso, somado ao fato de que diferentes linhagens de influenza gostam de trocar genes entre elas -o que às vezes produz vírus mais agressivos-, monta um cenário potencialmente maléfico, possivelmente transformando a Antártida em um ninho de vírus e em mais uma região a merecer atenção redobrada das redes internacionais de monitoramento do vírus influenza.
Quem passou para quem?
Os dados que emergem agora do estudo dos pinguins de Adélia, de papua e de barbicha, espécies mais comuns no litoral da península Antártica -onde os brasileiros fazem pesquisas-, criam interrogações na cabeça dos virologistas.
A primeira pergunta é de onde os vírus vieram. Segundo Jansen Araujo, pesquisador do grupo de Durigon, os estudos feitos até agora não permitem afirmar com certeza quem está passando o vírus para quem, nem que tipo de influenza está em circulação (se os sazonais humanos ou o H5N1 aviário).
Nas enseadas, os pinguins vivem ao lado de aves migratórias como as skuas e os petréis-gigantes -e as análises das fezes deles também deram positivo para o influenza-, além de mamíferos, como elefantes marinhos e lobos marinhos.
A questão a ser respondida a partir de agora é complexa. São as aves marinhas -os petréis-gigantes, por exemplo, migram por milhares de quilômetros em um ano- que levam os vírus de outras partes do mundo para a Antártida e, consequentemente, transmitem-nos aos pinguins? Ou são os turistas e cientistas?
Qualquer que seja o caso, dizem os pesquisadores, uma luz amarela se acende. Como os seres humanos, os pinguins vivem em aglomerações: seus ninhos costumam ter dezenas de milhares de aves, terreno fértil para a propagação de vírus.
"Temos de lembrar que lá é sempre frio, o que ajuda a sobrevivência do vírus", diz Durigon. O contato muito próximo entre aves e mamíferos pode ajudar na gestação de um vírus realmente perigoso no futuro.
Na gripe espanhola, por exemplo, em 1918, estima-se que 50 milhões de pessoas tenham morrido por causa de um vírus H1N1 que saiu das aves para o homem. O problema naquela época, é que o micro-organismo passou a ser transmitido direto entre os humanos, o que ainda não ocorreu, por exemplo, na gripe aviária.
Contaminação está acima da média no país
As aves que entram e saem do Brasil todos os anos também transportam altas quantidades de influenza. O pato selvagem é o principal alvo do grupo de caçadores de vírus da USP.
"A ocorrência [do influenza] é de 3% aproximadamente", afirma Edison Durigon. Desde 2006, em média, os pesquisadores analisaram as secreções de 2.000 aves por ano.
As coletas são feitas de forma sistemática em vários locais do Brasil. Mais recentemente, os esforços estão concentrados na ilha de Canelas (PA), na Coroa do Avião (PE), em Itajaí (SC) e na Lagoa do Peixe (RS).
"Apesar do monitoramento, estamos longe de cobrir direito todo o Brasil", diz Durigon.
Os dados coletados há quatro anos, diz o pesquisador, já ajudaram a derrubar um mito. "Existia uma tese de que as aves migratórias que deixavam a América do Norte para o Brasil se contaminavam aqui. Mas não é isso", diz o virologista.
Como os cientistas pegam as aves tanto quando elas entram no país (setembro a março), quanto no momento da volta para a casa (abril a junho), ficou fácil perceber. "Nem toda a ave chega aqui sadia", diz Durigon.
A vigilância não se resume ao influenza. "Estudo o vírus do Oeste do Nilo. Ele já chegou a outros países da América do Sul e, muito provavelmente, também deverá entrar no Brasil", afirma Tatiana Ometto, pesquisadora do grupo de Durigon.
Esse vírus, que causa encefalite (tipo de inflamação do sistema nervoso) grave, é transmitido por pernilongos, mas as aves são seu reservatório. Por isso, conta a cientista, todo o monitoramento é pouco.
Também em aves migratórias já chegou ao país o vírus Newcastle, que pode matar frangos. A avicultura brasileira hoje é livre do vírus, mas é preciso evitar que aves selvagens levem-no até as granjas.
Eduardo Geraque escreve para a "Folha de SP":
O pobre pinguim é cuidadosamente agarrado. Depois, tem um cotonete enfiado em sua traqueia e outro na cloaca pelo pesquisador insensível em busca de material de trabalho. Mas pior que o método é o diagnóstico: em plena Antártida, o pinguim está com o vírus da gripe.
"Temos a primeira evidência de que o influenza está circulando entre pinguins na Antártida", diz Edison Durigon, da Universidade de São Paulo. Um dos principais virologistas do país, Durigon coordena um grupo de caçadores de vírus perigosos que monitora aves e mamíferos desde a Amazônia até as ilhas subpolares.
Seus novos dados, ainda não apresentados à comunidade científica, indicam que a presença do influenza nesta região é alta. "Entre 8% e 10%", em uma população investigada de cem bichos, diz o cientista. Normalmente, em outras comunidades de aves já analisadas longe do continente gelado, a ocorrência do mesmo vírus costuma girar ao redor de 1%.
Em tese, pinguins com o vírus da gripe na Antártida não deveriam ser motivo de preocupação, ainda mais quando o Brasil está no meio de uma pandemia de influenza H1N1 que já matou mais de 400 seres humanos. Essas aves, afinal, estão confinadas ao oceano Austral -diferentemente dos pinguins do litoral argentino, que migram para o Brasil todo ano e que também tiveram diagnóstico positivo para o vírus.
Para completar, nenhum dos pinguins antárticos "gripados" estudados pelo grupo da USP teve sintomas da doença.
O problema é que a população humana na Antártida só aumenta, tanto por causa dos cientistas quanto devido ao crescimento do turismo na região. Só no verão de 2008/ 2009, quase 40 mil turistas visitaram o continente, segundo dados da Iaato (Associação Internacional de Operadores de Turismo na Antártida).
Isso, somado ao fato de que diferentes linhagens de influenza gostam de trocar genes entre elas -o que às vezes produz vírus mais agressivos-, monta um cenário potencialmente maléfico, possivelmente transformando a Antártida em um ninho de vírus e em mais uma região a merecer atenção redobrada das redes internacionais de monitoramento do vírus influenza.
Quem passou para quem?
Os dados que emergem agora do estudo dos pinguins de Adélia, de papua e de barbicha, espécies mais comuns no litoral da península Antártica -onde os brasileiros fazem pesquisas-, criam interrogações na cabeça dos virologistas.
A primeira pergunta é de onde os vírus vieram. Segundo Jansen Araujo, pesquisador do grupo de Durigon, os estudos feitos até agora não permitem afirmar com certeza quem está passando o vírus para quem, nem que tipo de influenza está em circulação (se os sazonais humanos ou o H5N1 aviário).
Nas enseadas, os pinguins vivem ao lado de aves migratórias como as skuas e os petréis-gigantes -e as análises das fezes deles também deram positivo para o influenza-, além de mamíferos, como elefantes marinhos e lobos marinhos.
A questão a ser respondida a partir de agora é complexa. São as aves marinhas -os petréis-gigantes, por exemplo, migram por milhares de quilômetros em um ano- que levam os vírus de outras partes do mundo para a Antártida e, consequentemente, transmitem-nos aos pinguins? Ou são os turistas e cientistas?
Qualquer que seja o caso, dizem os pesquisadores, uma luz amarela se acende. Como os seres humanos, os pinguins vivem em aglomerações: seus ninhos costumam ter dezenas de milhares de aves, terreno fértil para a propagação de vírus.
"Temos de lembrar que lá é sempre frio, o que ajuda a sobrevivência do vírus", diz Durigon. O contato muito próximo entre aves e mamíferos pode ajudar na gestação de um vírus realmente perigoso no futuro.
Na gripe espanhola, por exemplo, em 1918, estima-se que 50 milhões de pessoas tenham morrido por causa de um vírus H1N1 que saiu das aves para o homem. O problema naquela época, é que o micro-organismo passou a ser transmitido direto entre os humanos, o que ainda não ocorreu, por exemplo, na gripe aviária.
Contaminação está acima da média no país
As aves que entram e saem do Brasil todos os anos também transportam altas quantidades de influenza. O pato selvagem é o principal alvo do grupo de caçadores de vírus da USP.
"A ocorrência [do influenza] é de 3% aproximadamente", afirma Edison Durigon. Desde 2006, em média, os pesquisadores analisaram as secreções de 2.000 aves por ano.
As coletas são feitas de forma sistemática em vários locais do Brasil. Mais recentemente, os esforços estão concentrados na ilha de Canelas (PA), na Coroa do Avião (PE), em Itajaí (SC) e na Lagoa do Peixe (RS).
"Apesar do monitoramento, estamos longe de cobrir direito todo o Brasil", diz Durigon.
Os dados coletados há quatro anos, diz o pesquisador, já ajudaram a derrubar um mito. "Existia uma tese de que as aves migratórias que deixavam a América do Norte para o Brasil se contaminavam aqui. Mas não é isso", diz o virologista.
Como os cientistas pegam as aves tanto quando elas entram no país (setembro a março), quanto no momento da volta para a casa (abril a junho), ficou fácil perceber. "Nem toda a ave chega aqui sadia", diz Durigon.
A vigilância não se resume ao influenza. "Estudo o vírus do Oeste do Nilo. Ele já chegou a outros países da América do Sul e, muito provavelmente, também deverá entrar no Brasil", afirma Tatiana Ometto, pesquisadora do grupo de Durigon.
Esse vírus, que causa encefalite (tipo de inflamação do sistema nervoso) grave, é transmitido por pernilongos, mas as aves são seu reservatório. Por isso, conta a cientista, todo o monitoramento é pouco.
Também em aves migratórias já chegou ao país o vírus Newcastle, que pode matar frangos. A avicultura brasileira hoje é livre do vírus, mas é preciso evitar que aves selvagens levem-no até as granjas.
(Folha de SP, 23/8)
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