Comida de tubarão vira objeto de estudo

Oceanógrafo da Unesp consegue pesquisar espécies marinhas pouco conhecidas depois de analisar o conteúdo do estômago do predador

O conteúdo presente no estômago dos tubarões-azuis pode ser uma grande vitrine de espécies raras, difíceis de serem observadas nas águas profundas do oceano.

Vestígios de animais como a lula vampiro-do-inferno e os peixes chaputa e espada-preta foram encontrados pelo pesquisador e oceanógrafo Teodoro Vaske Júnior, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), dentro do estômago de 222 tubarões, capturados por meio de pesca legal.

A conclusão do cientista é que o predador age como um verdadeiro "coletor" do fundo do mar, permitindo o conhecimento de diferentes exemplares da fauna marinha.

O pesquisador da Unesp precisou participar de viagens promovidas especialmente para a pesca comercial de espécies marinhas para adquirir os estômagos. Essas expedições em alto-mar são permitidas e têm como objetivo a venda da carne e das barbatanas do animal, alimento altamente apreciado em diversos países, principalmente no sudeste Asiático. Vaske Júnior teve acesso a 116 tubarões capturados na costa nordestina e a 106 pescados na parte sul do litoral brasileiro.

Segundo o cientista, um dos animais encontrados no estômago dos tubarões, a lula vampiro-do-inferno, é de difícil captura para pesquisas, uma vez que habita locais de difícil acesso. "Para chegar ao ambiente onde ela ocorre, seriam necessários equipamentos específicos, como redes grandes, cabos e adaptações", explica Vaske.

Mesmo utilizando a técnica de investigar o estômago de tubarões, o trabalho não foi muito fácil. "Como possui o corpo gelatinoso, a lula é de fácil digestão. Portanto, na maioria das vezes fica difícil encontrá-las intactas no estômago do animal. Ela é pequena, avermelhada, tem luminosidade. O nome vampiro foi dado em função dos ganchos existentes, que se assemelham a dentes de vampiro, verdadeiras adaptações para facilitar a captura de presas", completa.

Cada expedição tinha duração de duas a três semanas. De acordo com o pesquisador, em algumas delas foi possível capturar até 50 tubarões por vez. "Por isso, foram feitos diversos embarques. Estabeleci que quando chegasse a mais ou menos 200 estômagos, daria fim à jornada", conta.

Assim que o animal subia no convés, Vaske fazia a retirada do estômago e guardava todo o conteúdo de maneira apropriada. "O material foi congelado e levado para o laboratório, onde fiz a análise e realizei as medições necessárias", diz.

Laranja e alho

Segundo ele, o estômago do tubarão-azul pode chegar a medir de 70cm a 80cm de comprimento. Porém, o animal não se alimenta com a mesma frequência que outros peixes grandes, como o atum ou o agulhão. Por ter o estômago grande, a espécie pode ficar até seis dias sem comer, depois de fazer uma boa refeição. Conforme o pesquisador, assim que visualiza a presa, o animal parte para o ataque.

"A prática fez com que encontrássemos muitas dessas presas praticamente intactas dentro do estômago do animal. Já outras, bem maiores, foram esquartejadas e posteriormente ingeridas. Numa dessas ocasiões, conseguimos remontar o esqueleto de um grande peixe", explica.

Vaske também encontrou no estômago dos animais registros de alimentos consumidos pelo homem, como cebola, laranja, alho, entre outros, além de lixo atirado ao mar, como caixas de papelão, sacolas plásticas e cabos. "Isso é um reflexo da falta de cuidado com o meio ambiente", garante.

A coordenadora do projeto Albatroz, Tatiana Neves, é uma das pesquisadoras que acompanhou de perto o estudo. Segundo ela, a organização não governamental que trabalha com espécies marinhas ameaçadas acompanha o trajeto dos barcos pesqueiros durante as jornadas de pesca. O objetivo é fiscalizar o trabalho e também coletar informações em alto-mar, que depois são disponibilizadas para pesquisadores brasileiros.

"Por ano, acompanhamos de 12 a 20 cruzeiros. Esses barcos geralmente permanecem em alto-mar por um mês. Ao longo dessas viagens, muita informação útil é coletada. Exemplo disso é a pesquisa da Unesp, que trouxe à tona os hábitos alimentares dos tubarões, e fez com que conhecêssemos várias outras espécies", destaca.

Sobre a pesca com espinhel, Tatiana destaca que a prática é ideal para a captura de animais de grande porte. Porém, ela afirma que o apetrecho repleto de anzóis acaba capturando e prejudicando animais que nada têm a ver com a prática, como os albatrozes que vivem na área.

"Existem, no total, 22 espécies de albatrozes. Porém, 19 delas se encontram ameaçadas de extinção", afirma. No caso do tubarão-azul, Vaske diz que a pesca faz com que a espécie seja considerada próxima da ameaça de extinção.

(Gisela Cabral - Correio Braziliense)

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