O composto antiesquizofrenia

Substância de plantas e frutas se une a células-tronco para tratar doenças mentais. Uma substância encontrada em plantas e frutas como o maracujá, a laranja e o limão pode ser a chave para o tratamento de transtornos mentais como a esquizofrenia, que afeta 1% da população mundial.

O primeiro passo para essa terapia seria um estudo publicado por oito pesquisadores brasileiros na próxima edição da revista "Stem cells and development", uma das principais do mundo na área de células-tronco.

A equipe, coordenada pelo Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, é a primeira a estudar o efeito de flavonoides - um composto fartamente encontrado na natureza - em células-tronco embrionárias ou reprogramadas. O grupo não almejava o combate de doenças psíquicas, mas já avalia que esta poderia ser uma aplicação de seu trabalho.

Uma série de pesquisas já havia identificado os efeitos antioxidantes dos flavonoides. Trata-se de uma característica benéfica, que reduz o risco de diversas doenças e até retarda o envelhecimento.

- É um composto estudado há muito tempo. Já se descreveu sua ação hormonal, anti-hemorrágica, anticâncer - lembra Stevens Rehen, diretor do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias. - O flavonoide também está presente em alimentos processados, como chá e vinho. Ainda assim, nunca haviam experimentado o seu efeito sobre o metabolismo de células-tronco.

Rehen, então, resolveu incluir a substância em sua pesquisa. E o fez de duas formas. A primeira, com células-tronco embrionárias, que têm o potencial de se transformar em diversos tipos. Para isso, são diferenciadas em laboratório, de modo que ocupem adequadamente o tecido onde são necessárias.

A segunda forma, e a mais importante para ele, é com células reprogramadas.

- Extraímos célula da pele de indivíduos adultos, reprogramamos este material e transformamos em neurônios- explica Rehen.

Aí entra o flavonoide. O composto, retirado da catingueira - uma planta típica do Nordeste semiárido -, impediu a morte celular e praticamente triplicou o número de neurônios gerado pelas células.

- Podemos dizer que o flavonóide deixa a célula-tronco mais propensa a se transformar em um neurônio - comemora Rehen. - Para haver essa conversão, a célula precisa ter acesso a uma substância chamada ácido retinoico. Chegar a ela exige um receptor. E o flavonóide aumenta justamente o número desses receptores. Como a célula reprogramada vem da pele do próprio paciente, será possível criarmos uma medicina individualizada.

Uma substância que, como o flavonoide, é um antioxidante e favorece a formação de neurônios, poderia ser usada para aumentar a memória de um cérebro já formado. Também reduziria a possibilidade de qualquer transtorno que prejudicasse o desenvolvimento daquele órgão. Essas utilidades, no entanto, ainda dependem de novos estudos. Mas a prioridade da equipe é outra: testar o componente natural no combate a doenças mentais. Algumas enfermidades, como a esquizofrenia, destroem a via que liga o ácido retinoico às células. O flavonoide poderia reparar essa ligação, facilitando a produção de neurônios - e, assim, combatendo os sintomas característicos daquele transtorno.

Para isso, no entanto, é preciso conhecer melhor o material que protagoniza esse tratamento. A equipe de Rehen prepara-se para estudar os efeitos antioxidantes do flavonoide sobre neurônios reprogramados de pacientes com transtornos mentais.

- O desenvolvimento da esquizofrenia tem como característica disfunções no sistema antioxidante - lembra o pesquisador. - Portanto, ao estudarmos as propriedades desse composto encontrado em frutas e plantas, estamos nos informando sobre como podemos usá-lo para combater os transtornos mentais.

O estudo foi realizado com camundongos, a partir de células embrionárias e reprogramadas daquele animal. Nos últimos seis meses, no entanto, os pesquisadores já ensaiam o início de um levantamento semelhante com humanos.

(Renato Grandelle - O Globo)

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