Em entrevista ao Portal iG, ministro indicado por Lula diz que Dilma não escolheria ninguém que não quisesse e fala sobre o futuro do MEC
Pronto para passar mais um Ano Novo em Brasília, o ministro da Educação, Fernando Haddad, garante que até gosta da época deserta da cidade - modificada pela posse presidencial de Dilma Rousseff este ano, que promete agitar este sábado, 1º de janeiro de 2011.
Segundo ele, a última semana de todos os anos na capital é boa para "garimpar recursos no orçamento" para a área que lidera, a educação. "Sempre consigo algo. Até dia 31, estou com esperança", disse, sorridente, em entrevista exclusiva ao iG.
Bacharel em direito, com mestrado em economia e doutorado em filosofia, Haddad está à frente do ministério desde julho de 2005. Antes, em 2004, havia sido secretário-executivo do então ministro Tarso Genro. Aos poucos, ganhou a confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seu perfil técnico e exigente (segundo confirmam funcionários da pasta). Em inúmeros eventos públicos, Lula fez questão de tecer elogios à atuação do ministro e garantir que as melhorias no ensino foram possíveis por conta do estilo Haddad de gerenciar.
Mesmo em momentos difíceis como na aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2009, quando uma prova foi roubada, e na edição deste ano da avaliação, em que houve problemas gráficos nas provas, Lula saiu em defesa do pupilo. Em despeito das críticas, reclamações e especulações sobre a permanência de Haddad no cargo, Lula defendeu e aconselhou a presidenta eleita Dilma Rousseff a mantê-lo no Ministério da Educação. Para ele, Dilma não "aceitou" seu nome, mas o escolheu.
Para o novo período, Haddad diz que Dilma pediu atenção especial à valorização e melhorias na carreira dos professores. No início do ano, o ministro apresentará uma proposta que, para ele, deve mexer com o valor, o papel e a remuneração dos professores. Um documento com as características consideradas essenciais para um bom professor. Essa matriz servirá para a elaboração de uma prova nacional de concurso de ingresso na carreira docente. A primeira edição deve ocorrer no primeiro trimestre de 2012.
Em entrevista ao iG, Haddad disse que aguarda o aval dos técnicos para a aplicação de duas edições do Enem no ano que vem. Garantiu que não tem expectativas políticas para depois do governo Dilma e que não pretende ficar pouco tempo na pasta. "Não sinto isso como necessidade (candidaturas políticas depois)", afirmou. "Eu opero por projeto, não por calendário", disse.
Confira os trechos da entrevista:
- Quando o senhor assumiu o ministério quais eram seus objetivos?
Eu tenho a felicidade de, em março de 2007, ter anunciado o Plano de Desenvolvimento da Educação na presença do presidente Lula e disse como a educação estaria ao final de seu governo. Se recuperar minha apresentação, você verá que nós cumprimos rigorosamente o que pactuamos com a sociedade. Houve processo forte de expansão e interiorização da rede federal para recuperar o papel da rede para o desenvolvimento social do país. Na educação básica, a centralidade que a qualidade ganhou com um sistema de avaliação por escola, divulgação dos resultados com transparência, fixação e cumprimento das metas. Tudo isso está feito.
- E quais são os planos do senhor para os próximos anos?
A presidenta Dilma incorporou ao seu discurso a ideia de que temos de atuar da creche à universidade. Pode parecer uma obviedade, mas nem sempre foi assim. A política de foco e fragmentada prevalecia sobre uma visão abrangente e sistêmica. Espero que isso seja mantido. Entendo que há três questões a serem priorizadas. A primeira é a educação infantil, porque nunca houve uma atenção do MEC em relação à qualidade da oferta, só à quantidade. O segundo é a diversificação do ensino médio, que precisa se integrar com o trabalho, a cultura e o desporto. Na perspectiva da escola de tempo integral, a integração com essas áreas é essencial para oferecer perspectivas múltiplas de atendimento ao jovem. A escola não precisa ser padrão para ser excelente. Ele pode ter excelência e ser diversa, ser múltipla.
- O currículo precisa ser mais flexibilizado para permitir que os jovens optem mais livremente pelo que vão estudar?
Penso que sim. O ensino médio inovador, em grande medida, vai nessa direção e ele está em curso como projeto piloto em 600 escolas. Eu penso que o jovem deve ter a oportunidade de ter um segundo turno de aulas no qual as questões de cultura, desporto e trabalho sejam centrais. Não pode ser uma duplicação do currículo.
- A União terá de contribuir muito para isso financeiramente?
A União sempre tem de interferir. A indução exige inovação. Às vezes, a questão não é de recurso. O ProUni, programa de alcance extraordinário, não custou nada diante do alcance que ele tem. Nós apenas regulamentamos uma lei, as contrapartidas das isenções constitucionais. Nem sempre é preciso dinheiro. Às vezes, é necessária uma reforma institucional. Mas claro que, com mais recursos, podemos fazer muito mais.
- A presidente eleita fez algum pedido especial para a sua gestão à frente do ministério?
A questão do magistério está muito presente no discurso dela e na conversa dela comigo. Acredito que a mudança dos currículos é importante e está em curso, mas o ritmo deveria ser acelerado. Tomamos duas providências importantes e pouco discutidas. A primeira é que não é pouca coisa um país federativo fixar um piso nacional para a categoria na constituição, como fizemos. Em segundo, a União assumiu a responsabilidade pela formação gratuita dos professores, seja no Fies, na modalidade que o professor que trabalha em escola pública não paga o financiamento, seja nas universidades públicas. Isso precisa ser mais explorado. O calendário eleitoral impediu a divulgação disso. No ano que vem, queremos fazer uma forte publicidade para que os professores e os jovens que queiram ser professores tomem conhecimento que eles têm à formação.
- Com essas iniciativas, o senhor acredita que serão suficientes para mudar a imagem que a carreira tem entre os jovens?
Vamos anunciar no começo do ano a matriz de uma prova nacional de concurso para a carreira docente. Trabalhamos durante mais de dois anos nisso. Mandamos equipes para oito países no mundo para sabermos como funciona o processo de formação e de seleção de professores nesses países e concluímos que precisamos ter uma prova nacional de concurso para ingresso na carreira docente que sinalize o que se espera de um bom professor. A prova será aplicada a quem se interessar e, depois, os gestores poderão abrir editais para selecionar os docentes com as notas dessa prova. Queremos que os prefeitos e os governadores possam oferecer boas condições de carreira para atrair os melhores profissionais do Brasil. O prefeito tem pouco estímulo para reestruturar a carreira. Estamos dando as condições de eles mudarem o sistema de ensino. Essa prova vai incidir sobre as condições de carreira.
- O senhor acredita que ela vai influenciar também os cursos de graduação?
Vai rebater na formação, evidentemente, a partir do momento que você define uma matriz que diz quais os conhecimentos que um professor deve ter. As provas têm esse fim. Os países com alto desempenho nos exames internacionais têm um excelente processo de ingresso à carreira e nós não temos isso. O estágio probatório é um expediente pouco explorado no Brasil, ao contrário do que deveria ocorrer. No caso do docente, isso é essencial. Muitas vezes você tem conhecimentos teóricos, mas a atividade exige vocação específica para o exercício da profissão. Tem um programa de incentivo à docência que está dando muito certo. Durante a licenciatura, o estudante, o professor universitário e o da escola que o recebe como estagiário recebem bolsas. A instituição formadora e a escola pública interagem na formação desse licenciando.Os resultados são extraordinários.
- A partir de quando a prova nacional vai funcionar?
A matriz será colocar em discussão do comitê de governança no início do ano, que vai aprovar a matriz de conhecimentos que serão exigidos na prova. A partir daí, começaremos a elaboração dos itens e queremos aplicar a primeira edição no primeiro trimestre de 2012.
- O senhor acredita que, com isso, os melhores alunos serão atraídos para o magistério?
É um processo. Estou surpreso com os depoimentos que recebo do programa de iniciação à docência. Ele está quebrando paradigmas. A interiorização das universidades também vai mexer nisso. As possibilidades para os jovens que querem exercer a profissão serão ampliadas.
- O novo Plano Nacional de Educação, que será discutido no Congresso em 2011, trouxe metas antigas e ainda difíceis de serem superadas pelo país, como o analfabetismo. É possível erradicá-lo? Seria preciso adotar algum tipo de incentivo financeiro para isso?
Estamos falando de pessoas com idade média de 55 anos. É uma dívida que temos com a população que não teve oportunidade educacional na idade correta, mas realmente é uma tarefa muito complexa. Essa população está dispersa pelo território, mora no campo, tem idade avançada e problemas de visão. O esforço terá de combinado com ações fora as do MEC, mas tenho dúvidas sobre esse tipo de incentivo. A dificuldade esbarra em obstáculos que, muitas vezes, são instransponíveis para o indivíduo. Se não tivermos uma combinação de políticas, não dará certo. Mas estou confiante de que, em 2015, vamos reduzir a taxa para 6,7% em 2015.
- Olhando para trás, o senhor se arrepende de alguma decisão que tomou em relação ao Enem? Acredita que deveria ter esperado o banco de itens ser ampliado para lançar duas ou mais edições em um mesmo ano e evitar dores de cabeça?
Eu não vejo esses episódios com o grau de dramaticidade que a imprensa costuma reportar. Tivemos um episódio de falta de segurança em uma gráfica, que é a maior do país. O MEC adiou a prova para fazê-la com segurança e corrigiu um problema do setor privado. O episódio deste ano, de abrangência muito menor, com outra gráfica, que é uma multinacional com faturamento de US$ 20 bilhões no mundo, foi um equívoco causado por excesso de segurança. O procedimento que atrapalhou o controle de qualidade dos lotes foi a impressão das provas sem que o operador da máquina visse o que estava sendo impresso. O setor corrigiu um erro do setor privado novamente. Erros poderão acontecer em uma prova de escala como essa. Estamos em uma construção e essas gráficas vão se preparar melhor. Quanto mais concorrentes tivermos, melhor para contratação do poder público.
- No ano que vem já teremos duas edições do Enem?
Falta uma reunião com os parceiros para que eles atestem a capacidade técnica de realizar duas edições. Em caso positivo, a decisão política está tomada. Se eles derem sinal verde, teremos duas edições. Quanto mais edições melhor.
- Nesses dois momentos, as críticas foram tão grandes e houve muita gente dizendo que o senhor não continuaria no ministério. O que o senhor sentiu?
Fiquei um mês sem ler jornal, assistir TV e ouvir rádio. O que eu fazia era ligar no telefone 0800 do MEC, que recebe as reclamações. Perguntava como estavam as coisas e me diziam que não estava calmo. Então pensei, vamos resolver. O Brasil real está conectado pelo telefone com o Ministério da Educação. Então eu me desliguei do resto. Com o Brasil real, a questão era contornável.
- Podemos esperar outro Plano de Desenvolvimento da Educação para o ano que vem?
Esse foi o nome que demos para o Plano Plurianual da Educação, que no ano que vem terá de ser refeito. O Plano Nacional da Educação terá de ser traduzido nos planos plurianuais da União, de Estados e de municípios.
- O presidente Lula pediu à Dilma que o senhor ficasse no ministério. O senhor se sentiu constrangido em algum momento, pensando se ela queria realmente que ficasse?
Conhecendo a presidenta como eu conheço, eu convivo com ela há cinco anos, posso te garantir que uma coisa é ouvir a opinião, e ela fez questão de frisar que a opinião do presidente conta e pesa, mas eu tenho certeza de que a presidenta Dilma não tomou nenhuma decisão por constrangimento. Sobretudo no meu caso. Eu estou há sete anos no MEC, cinco e meio como ministro e eu já me programava para voltar para São Paulo.
- Os críticos dizem, em relação aos ministérios compostos por Dilma, que as escolhas foram feitas para pouco tempo. O senhor pretende ficar os quatro anos?
Eu não entendo que as coisas funcionem assim. Em primeiro lugar, mudança ministerial é a coisa mais corriqueira do mundo em qualquer governo. Quantos ministros da Educação completaram um único mandato? Quatro, antes de mim. Eu estou no terceiro. Já estou na conta da exceção. Eu opero por projeto e não por calendário. O que está em pauta e qual o tempo de maturação do projeto é a dinâmica do governo que vai determinar.
- E o senhor esperava ter recebido mais apoio do PT para a sua permanência no cargo?
Eu acompanhei isso pelos jornais. Isso nunca aparecia de maneira clara. Os comentários eram sempre anônimos e é muito difícil especular sobre essa questão. Não chegou ao meu conhecimento uma objeção de alguém, com nome e sobrenome. Isso não aconteceu em 2006, nem agora.
- O senhor foi cogitado para concorrer ao governo de São Paulo, não foi? Desistiu? O senhor não tem interesse nesse caminho?
Foi mais especulação. Não fiz nenhum movimento para isso. Minha atenção nunca ficou voltada para isso. Nunca raciocinei nessas bases. Estou reiniciando um trabalho e acredito que a educação é um pouco incompatível com eleição. Particularmente, não acho uma combinação feliz. Não sinto isso como necessidade.
(Priscilla Borges - IG)
0 Comentários
Olá, agradecemos sua visita. Abraço.