Déficit no nível profissionalizante pode prejudicar ampliação do ensino médio pelo MEC. Medida deve custar pelo menos R$ 21 bi
O governo terá obstáculos na hora de implantar o ensino médio em tempo integral, como anunciou o ministro da Educação, Fernando Haddad. O principal deles: o fato de que o déficit estimado de professores no ensino profissionalizante, que responderia por metade desse tempo integral, é de 300 mil no país - 10% a 20% maior do que o déficit de professores da 5ª série do fundamental ao 3º do ensino médio na formação geral.
A estimativa é da Câmara de Educação Básica, parte do Conselho Nacional de Educação (CNE). Outra dificuldade é o custo de implantação da medida em toda a rede pública de ensino médio: um valor mínimo estimado em R$ 21 bilhões - e que pode chegar a R$ 49 bilhões, caso o foco seja em áreas de ponta, como petróleo.
Esse cálculo considera o custo médio anual por aluno no ensino profissionalizante, que é de R$ 3 mil (em cursos como secretariado) a R$ 7 mil (em setores como o naval), segundo a Câmara de Educação Básica.
Já se a conta for feita usando-se a média de investimento/aluno nos institutos federais informada pelo MEC (R$ 8 mil), o custo vai para R$ 56 bilhões. Segundo pesquisadores da área, a estimativa do custo de implantação pode ser tirada da multiplicação do custo/aluno pelo número de matriculados no ensino médio formação geral (no Censo de 2009, eram 7.023.940 alunos na rede pública).
O custo/aluno inclui, por exemplo, despesas com salários dos professores. A melhoria dos salários com a maior carga horária exigida pelo ensino integral, apontam profissionais do setor, pode ser um modo de atrair professores para o modelo.
- Estimamos em 300 mil a carência de professores em cursos profissionalizantes. É cerca de 10% a 20% maior que o déficit no ensino médio comum. As universidades não têm se dedicado à formação de professores para isso; ela tem se dado na própria rede técnica pública e no sistema S - diz Francisco Cordão, presidente da Câmara de Educação Básica e conselheiro do CNE, que até março deve lançar diretrizes de formação de docentes do ensino profissionalizante.
As áreas no nível técnico com maior déficit de professores são cursos estratégicos como petróleo e gás, mecânica naval e mecatrônica. Esse déficit pode afetar ainda uma medida anunciada pela presidente Dilma Rousseff no discurso de posse: a criação, para o ensino médio, de bolsas nos moldes do Prouni - que, diz o conselheiro do CNE, serão para o ensino profissionalizante.
- Só nos Senai do Rio, e só em petróleo e gás, faltam 50 professores - diz Maurício Bastos, coordenador de educação profissional do Centro de Tecnologia Senai Automação e Simulação. - O professor que temos ou é um ex-técnico da Petrobras, ou alguém que trabalha em empresa e, à noite, dá aula. Também há alunos que viram professores. Mas professor de nível profissionalizante com curso superior, por exemplo, e também com experiência técnica, é raro.
Para Almério Melquíades, coordenador de Ensino Médio e Técnico do Centro Paula Souza (órgão de ensino profissionalizante de São Paulo), outro entrave num modelo de tempo integral será o horário das aulas:
-Como 60% das nossas turmas são noturnas, então, conseguimos como professores quem trabalha numa empresa de dia e dá aula à noite. As aulas profissionalizantes de manhã ou de tarde serão um gargalo. - O grande desafio para se implantar tempo integral não é dinheiro, mas gente - resume Mozart Neves Ramos, do Movimento Todos pela Educação.
Segundo Cordão, um programa federal sob análise do ministro Fernando Haddad para servir como uma das bases do tempo integral é o Ensino Médio Inovador. Em funcionamento desde 2009, o programa hoje está em 18 estados, em 357 escolas.
- Esse programa dará subsídios para o tempo integral. É um ponto de partida, que está sendo discutido com o ministro - diz Cordão, relator do Ensino Médio Inovador no CNE. - Ele amplia o currículo por quatro vertentes: trabalho (a mais próxima do profissionalizante), desenvolvimento científico, desenvolvimento tecnológico, e cultural.
- O Ensino Médio Inovador é uma referência que pode ser usada (no tempo integral) - conclui Carlos Artexes, diretor de Concepções e Orientações Curriculares da Secretaria de Educação Básica do MEC, setor na secretaria para o ensino médio.
- O programa pode se articular com o tempo integral, mas continua em paralelo. Outro que pode se articular com a medida é o Brasil Profissionalizado (de investimento em obras, gestão e professores de escolas técnicas e ensino integrado à educação profissional).
Na escola das 7h30m às 17h
Carlos Romário de França Santos, de 16 anos, e Ketuly Stefane Chaves dos Santos, de 15, têm origens diferentes. Ele estudou em escola particular; ela, na rede pública. Encontraram-se na Escola Técnica Estadual Maximiano Accioly Campos, que funciona em regime integral integrado.
A escola é parte de um modelo que começou a ser implementado em 2007 em Pernambuco, e que traz exemplos dos programas Ensino Médio Inovador e Brasil Profissionalizado, que o Ministério da Educação analisa como opções para basear a implantação do tempo integral.
Secretário de Educação de Pernambuco, Anderson Leônidas Gomes diz que a experiência inclui 13 escolas técnicas (ligadas ao Brasil Profissionalizado) e 160 de ensino médio com período integral ou semi-integral (onde entra o Ensino Médio Inovador). Segundo Gomes, nesse modelo, uma escola de ensino médio tradicional leva no mínimo três anos para ser de tempo integral.
- Fazemos de modo gradual: primeiro, só o 1º ano vira tempo integral; no ano seguinte, o 2º; até chegar ao 3º ano - explica o secretário, destacando que outra medida foi aumentar o piso salarial dos professores em até 2,5 vezes o piso em um colégio comum. - E eles passaram a trabalhar em dedicação exclusiva de cada escola, como numa universidade.
Carlos Romário e Ketuly Stefane cursam o 2º ano do médio e um técnico em computação. Chegam às 7h30m e só deixam a escola às 17h.
- Pode até cansar um pouco, mas é construtivo. A escola não está nos preparando só para o vestibular, mas para a vida - afirma Carlos Romário.
(Alessandra Duarte e Letícia Lins - O Globo)
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