Com um punhado de “papers” (artigos científicos) publicados ao longo deste ano, o sueco Svante Pääbo e seus colegas embolaram o que parecia ser um consenso dos mais consolidados no estudo da evolução humana.
E o mais irônico é que Pääbo foi um dos arquitetos desse consenso. Ao longo dos anos 1990 e 2000, parecia cada vez mais claro que as raízes do Homo sapiens eram africanas, e só africanas.
Numa grande onda de expansão que teria começado há uns 60 mil anos, teríamos deixado o continente ancestral e varrido os chamados hominídeos arcaicos – neandertais e Homo erectus entre eles – da Eurásia.
A equipe do Instituto Max Planck ajudou a consolidar essa ideia ao obter DNA mitocondrial de vários espécimes neandertais e anunciar “desculpe, nenhuma pessoa hoje tem esse tipo de mtDNA”.
Gene versus gente – Por isso mesmo, Pääbo e companhia apostavam que a mestiçagem entre Homo sapiens e primos arcaicos era impossível ou, no máximo, irrelevante. Mas sabiam, como costuma dizer o bioantropólogo brasileiro Walter Neves, que “história de um só gene não é história de população”. E o mtDNA equivale, na verdade, a um único gene.
Muitas pesquisadores contrários ao consenso, por isso mesmo, sentiram-se vingados com a confirmação dos cruzamentos entre H. sapiens e neandertais. Os dados de Denisova, porém, levam a coisa para outro patamar.
Afinal, se um hominídeo raro a ponto de ainda não ter sido identificado via fósseis pode legar genes para papuanos de hoje, é sinal de que a mestiçagem entre espécies pode ter sido relativamente comum nessa época.
É provável que muita gente não goste do fim do consenso por razões que passam raspando pelo ideológico. A hipótese da origem africana tinha, de fato, a vantagem de reforçar a ideia de uma origem comum, recente, para todas as pessoas vivas hoje – uma refutação genômica do racismo, digamos.
Nossas diferenças, pelo visto, vão um pouco mais fundo. Que seja – é uma boa razão para celebrá-las e para conviver com elas.
(Fonte: Reinaldo José Lopes/ Folha.com)
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