Brasileiros identificam estrelas semelhantes à que aquece e ilumina a Terra
Procura-se um novo Sol. De preferência, aqui mesmo pela vizinhança. Não que este não sirva mais. O Sol, que nos últimos 4,6 bilhões de anos tem se apresentado invariavelmente todas as manhãs e se recolhido no final do dia, está apenas em sua meia-idade. Ainda deve viver outros 5 bilhões de anos iluminando e aquecendo a Terra e os planetas próximos.
É verdade que nem tudo será sombra e água fresca. Daqui a uns 300 milhões ou 1 bilhão de anos, no máximo, o Sol passará a brilhar mais intensamente, aumentando a temperatura na Terra e tornando inviável a vida como se conhece hoje. Até lá, muitos dirão, há tempo de sobra. Mas há quem já comece a pensar no que fazer. Afinal, segundo os astrônomos, no longuíssimo prazo a humanidade terá de deixar a Terra caso queira continuar a existir.
Os quase 50 grupos internacionais que se dedicam a vasculhar os céus atrás de uma estrela como a nossa, é claro, não esperam encontrar um lar para os tataranetos de seus tataranetos. Estão mais interessados em saber se o Sol é mesmo uma estrela sem par entre as centenas de bilhões de estrelas do Cosmo, ou se, ao contrário, é um astro banal, encontrado aos montes nesta e em outras galáxias. Essa dúvida vem acompanhada de outra: estamos sozinhos no Universo ou há vida em outros mundos?
Enquanto aguardam essa era de luz e calor excessivos, equipes do Brasil e de outros países investem mais do que nunca na busca de outro Sol. Alguns candidatos não muito distantes até surgiram nos últimos anos. Dos 10 que têm idade próxima à do Sol, ao menos quatro foram identificados por pesquisadores que atuam no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Outros mais devem aparecer à medida que se tornem públicos os dados de amplos levantamentos estelares e de trabalhos encaminhados para publicação. Ao menos uma nova estrela semelhante ao Sol deverá ser apresentada pelos astrofísicos José Renan de Medeiros e José Dias do Nascimento Júnior, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na reunião anual da Sociedade Astronômica Brasileira, no início de setembro em Passa Quatro, Minas Gerais.
Essa estrela, cujo nome e localização no céu ainda são mantidos em sigilo, foi identificada entre as quase 10 mil que o telescópio espacial Corot, satélite franco-europeu-brasileiro lançado em 2006, observou nos primeiros anos de operação. Como ela, deve haver ao menos outras 20 nas proximidades do Sol, calculam os pesquisadores da UFRN com base em dados do Corot. Elas se somam a outras dezenas de estrelas semelhantes ao Sol mapeadas nos últimos anos por outros telescópios.
Apesar de parecer um número elevado, não é. Pouquíssimas dessas estrelas têm todas as características idênticas às do Sol e são o que a astrofísica francesa Giusa Cayrel de Strobel chamou no fim dos anos 1980 de gêmeas solares. Só 7% das estrelas que se encontram a até 33 anos-luz do Sistema Solar são parecidas com o Sol a ponto de proporcionarem a existência de condições necessárias ao surgimento da vida como conhecemos na Terra, segundo levantamento publicado em 2006 na Astrobiology pelos astrofísicos Gustavo Porto de Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Eduardo Del Peloso e Luan Ghezi, do Observatório Nacional.
Foi Mello, aliás, quem encontrou anos antes a estrela que por uma década foi considerada a melhor candidata a gêmea do Sol: a 18 Scorpii. Descrita em 1997 por Mello e Lício da Silva, seu orientador no doutorado, a 18 Scorpii é uma estrela de brilho sutil, praticamente invisível a olho nu, que aparece no alto da constelação de Escorpião. Ela está a 46 anos-luz da Terra – distância que poderia ser percorrida durante a vida de um ser humano, caso surja tecnologia para viajar a velocidades próximas à da luz – e foi identificada entre 118 mil estrelas observadas pela sonda espacial Hipparcos, da Agência Espacial Europeia (ESA).
A 18 Scorpii é só 5% mais luminosa que o Sol e um pouco mais nova, com idade calculada em 4,2 bilhões de anos. Sua superfície é 12 graus mais quente que a solar, onde a temperatura é de 5.507 graus Celsius ou 5.780 Kelvin (K), a escala de temperatura preferida dos físicos. A massa da 18 Scorpii é 1% maior que a do Sol e sua velocidade de rotação 17% mais elevada: ela leva 23 dias terrestres para completar uma volta em torno de seu eixo enquanto o Sol precisa de 28.
Mas nem toda essa semelhança garantiu à 18 Scorpii o título de gêmea solar. Sua composição química é um pouco diferente da do Sol, constataram Nascimento e Mello. Eles compararam a concentração do elemento químico lítio, um dos mais simples da natureza, em cinco candidatas a gêmea solar e notaram que a quantidade de lítio da 18 Scorpii é dezenas de vezes superior à do Sol, segundo artigo publicado em 2009 na Astronomy and Astrophysics. É uma diferença considerável, uma vez que, além de indicar a idade da estrela, a abundância desse elemento químico permite ter uma ideia do que se passa em seu interior.
Essas colossais bolas de gás não são tranquilas como parece a distância. O interior de uma estrela é extremamente turbulento. Da superfície para o centro, o gás eletricamente carregado (plasma) se torna mais denso e quente. Os 5.780 K medidos na superfície solar – a camada mais externa visível do Sol, responsável por sua cor amarela – sobem gradativamente até atingir 15 milhões de graus no coração da estrela, onde núcleos do elemento químico hidrogênio (o mais simples e abundante do Universo) se combinam produzindo hélio e liberando energia na forma de partículas de luz (fótons) altamente energéticas. Os fótons produzidos por fusão nuclear seguem um caminho tortuoso em que são absorvidos e reemitidos inúmeras vezes por outros elementos químicos até que conseguem atravessar os 700 mil quilômetros de espessura do Sol e escapar para o espaço quase 200 mil anos depois de terem sido criados.
Sabe-se hoje que os níveis de lítio de estrelas como o Sol diminuem com o tempo. Alguns estudos vêm mostrando que estrelas com pouco lítio são menos ativas que aquelas com níveis elevados e sofrem menos explosões, que lançam altos índices de radiação muito energética sobre os planetas ao redor. Por essa razão, concluíram os pesquisadores, a 18 Scorpii, rica em lítio, dificilmente abrigaria um sistema planetário favorável à vida – por ser realmente distinta do Sol ou apenas encontrar-se em um estágio evolutivo diferente.
Ricardo Zorzetto - Fasesp
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